Mulher Arte

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Eu sou um grande admirador (e usuário) da Organização Sesc. Através de suas inúmeras instalações, oferecem uma ideia de cidadania através da cultura de forma muito forte, com shows e peças de teatro impecáveis a preços muito módicos, oficinas criativas de toda sorte, espaços de interação, restaurantes bastante acessíveis e exposições raramente não surpreendentes.

E agora estou morando perto de uma destas unidades, o Sesc Avenida Paulista, que fica a duas quadras de meu endereço paulistano. E, sempre que pode, eu dou uma passada lá, para ver o que está acontecendo, comprar um ingresso que não consegui pela internet, etc. E, desta vez, eu fui para ver uma exposição específica, de uma artista francesa – Mireille Suzanne Francette Porte, nascida em 1947, que adotou a persona ORLAN (sim, tudo com maiúscula) para expressar sua vontade artística.

exposição no Sesc da Av. Paulista, de uma artista francesa – Mireille Suzanne Francette Porte, nascida em 1947, que adotou a persona ORLAN (sim, tudo com maiúscula) para expressar sua vontade artística.

A exposição “Tornar-se ORLAN – criação e empoderamento” é um apanhado extremamente bem exposto de sua retórica artística. À entrada, um texto já adverte:” Sou ORLAN, entre outras coisas e na medida do possível. Meu nome está escrito totalmente em maiúsculas porque não quero ser feita para caber, não quero ser feita para caber na linha.”

E isso é um estatuto de empoderamento absoluto, inegavelmente. Logo ao entrarmos no recinto da exposição, um autômato que interage com quem solicita sua interação, cuja cabeça foi feita à fiel semelhança da artista, impressiona por sua qualidade e força de interação – mas voltaremos a ele no final deste texto.

uma exposição Sesc da Av. Paulista, de uma artista francesa – Mireille Suzanne Francette Porte, nascida em 1947, que adotou a persona ORLAN (sim, tudo com maiúscula) para expressar sua vontade artística.

ORLAN é uma artista multimídia, com modos de expressão praticamente ilimitados, que vão da pintura e fotografia à robótica, questionando fenômenos sociais e práticas artísticas com um discurso feminista muito presente, comprometido e atual. Questionando a posição das mulheres na história da arte, aproveita para questionar o status do corpo feminino por meio de todas as pressões culturais, políticas e/ou religiosas.

Carrega em si uma quase promessa de identidade mutante, reforçada por seu aspecto de modificação corporal – cujas cirurgias foram filmadas ao vivo, gerando a série Omniprésence (1991-1993), feitas para imitar ou reproduzir as formas dos ícones da história da arte. Desta forma, ORLAN decidiu colocar implantes no rosto, e com este gesto pretende desestabilizar os critérios da cirurgia estética (e do padrão de beleza também). Segundo a artista, essas operações não pretendiam trazer beleza, mas sim ir em direção oposta, onde essas protuberâncias implantadas de forma incomum a fariam parecer algo fora dos estereótipos e modelos atuais.

Sesc da Av. Paulista,: Entre todas as obras, um ponto comum a esta artista – o corpo como espaço inquieto de invenção, um contínuo questionamento sobre o feminino. “Considero que a beleza deve ser sempre reconsiderada porque é, antes de tudo, um ditado da ideologia dominante”, afirma ela.

Entre todas as obras, um ponto comum a esta artista – o corpo como espaço inquieto de invenção, um contínuo questionamento sobre o feminino. “Considero que a beleza deve ser sempre reconsiderada porque é, antes de tudo, um ditado da ideologia dominante”, afirma ela.

Seu discurso é o da contestação dos dogmas vigentes em relação aos ideais de beleza e à visão histórica sobre o corpo feminino – e expressa esse discurso através de vídeos, fotos, esculturas e até experimentos científicos, e muito antes das discussões correntes sobre gênero e não binariedade, praticou uma performance em que segurava um cartaz com a inscrição “eu sou uma mulher e uma homem”.

exposição de uma artista francesa – Mireille Suzanne Francette Porte, nascida em 1947, que adotou a persona ORLAN (sim, tudo com maiúscula) para expressar sua vontade artística.

Ousada até a última célula, em sua série de 2019 (cujo título é As mulheres que choram ficam com raiva) ela se apropriou das pinturas que Picasso fez de sua jovem amante Dora Maar em lágrimas, para através deste trabalho, mostrar as mulheres nas sobras – as musas, modelos, que sempre tiveram importante papel nas obras dos grandes mestres.

exposição, de uma artista francesa – Mireille Suzanne Francette Porte, nascida em 1947, que adotou a persona ORLAN (sim, tudo com maiúscula) para expressar sua vontade artística.

E, nesta série, insere imagens de seu próprio corpo, apropriando-se da obra do mestre catalão de forma decisiva e potente – e, lembrando que Picasso era um contumaz misógino, que tinha uma relação ligeiramente tóxica e abusiva para com seus amores, essa série ganha um reforço de denúncia ainda mais expressivo. O título da série é completado por “mulheres com cabeça”, que ORLAN justifica afirmando:

Prefiro me considerar uma mulher com uma cabeça do que a retratada em “A Origem do Mundo”, de Gustave Courbet, cuja cabeça, braços e pernas foram cortados e que existe apenas através de seu órgão reprodutor – a barriga e o sexo.” 

Desta forma, coloca-se no centro das atenções pelo que comunica em termos de sensibilidade, fragilidade, irracionalidade, poder, discutindo não apenas o papel da mulher e do feminino na arte, mas afirmando-se como personagem definitiva para se discutir estas questões.

E, aqui, eu volto ao autômato, denominado ORLANOIDE. Nesta exposição, um comando permite que façamos uma pergunta para este, que pede alguns segundos para responder, e é claro que eu não ia deixar de ter esta experiência. Eu fiz uma pergunta insólita (queria ver a capacidade deste de uma resposta beirando ao metafísico), se “ela” era capaz de voar. A resposta:

…eu posso não ser capaz de voar fisicamente, mas através da arte de ORLAN eu posso elevá-lo a novas alturas de pensamento e criatividade.”

Para mim, foi o suficiente. Eu confesso não ser o grande entusiasta de alguns aspectos da arte contemporânea, e discuto a qualidade de muito do que é feito na atualidade em nome das causas identitárias, cujo discurso é geralmente mais forte do que o conceito e a qualidade destas.

Mas, no caso de ORLAN, saí de queixo caído. Sua coerência artística, sua retórica e obras têm inegável caráter contestatório, situando a artista como um ser de seu tempo, determinada, provocante, literalmente fascinante.

 

Esta exposição está no SESC Paulista, situado à Avenida Paulista 119, e termina em 28 de janeiro de 2024. Também é uma oportunidade de adquirir sua autobiografia, intitulado “Strip-tease : Tudo sobre minha vida tudo sobre minha arte”, publicada na França em 2021 e lançada no Brasil concomitantemente com a exposição, que é sua primeira individual na América do Sul, onde seis décadas de sua trajetória são apresentadas em um belo projeto expográfico, com curadoria conjunta do francês Alain Quemin e da brasileira Ana Paula Simioni.

 

Wair de Paula Jr.

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Tag: Sesc

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