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Censurar o incensurável. Ou melhor, censurar a ideia, acima e além da imagem. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa. Mas vamos contextualizar a situação.

A artista (1931) cresceu na região da Transilvânia, de onde escapou para a Suíça durante a Segunda Guerra Mundial. Sua família paterna, de origem judaica, foi vítima dos horrores do Holocausto, e ela emigrou da Suíça para os Estados Unidos e depois, em 1955, para o Brasil.

Proibida. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa.

Em nosso país, começou a fotografar e construiu uma carreira no fotojornalismo, registrando para a revista Realidade, em 1971, suas primeiras imagens sobre os Yanomami – e o encontro com este povo mudou a vida de Cláudia, que voltou numerosas vezes a este território para documentar aquela cultura ancestral, à época ainda relativamente isolada.

Proibida. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa. Yanomami no rio

Este é o trabalho mais conhecido desta grande fotógrafa, e neste ela parece estar absolutamente inserida dentro desta comunidade dos povos originários, tamanha intimidade expressada nas fotos.  Chegou, em dado momento, a propor que os próprios Yanomamis se fotografassem, em um belíssimo exercício de altruísmo artístico, e de resultado de inegável qualidade etnográfica.

Proibida. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa.

Atualmente, o Museu de Etnografia da Hungria, em Budapeste, exibe uma exposição sobre a artista, e apesar do foco da mostra ser o trabalho com os povos originários, uma sala foi isolada dentro desta exposição – uma série de Andujar retratando homossexuais em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1967.

Proibida. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa.

No espaço deste museu onde está esta série, foi colocada uma faixa de contenção na entrada, junto a uma placa bilíngue onde se lê que aquela parte da exposição só pode ser visitada por maiores de 18 anos – e um guarda faz a supervisão desta ordem, segundo informações.

Esta é a segunda vez em que esta série é censurada. A primeira foi no ano em que foram feitas, para a revista Realidade, onde deveriam ter sido originariamente veiculadas – mas a revista publicou apenas uma das imagens, junto a uma nota explicando que as demais tinham sido vetadas. À época, em 1971, a censura brasileira tinha poderes praticamente ilimitados, o que, se não justifica, ao menos insere esta censura em um período negro de nossa história.

Proibida. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa.

Mas as fotos expostas são desfocadas e infinitamente mais contidas do que as imagens dos Yanomami, a maioria dos quais está nu. São fotos desprovidas de erotismo, sem nenhuma explicitude homoafetiva, é apenas um documento local e histórico de uma “outra” comunidade.

Este “veto visual” se deu em virtude de uma lei aprovada pelo governo conservador da Hungria em 2021, que proíbe a disseminação de conteúdos que sejam caracterizados como meio de promoção da homossexualidade e/ou mudança de gênero – e esta ofensiva contra os direitos LGBT voltou recentemente a se manifestar de forma torpe – o Parlamento Húngaro aprovou este ano uma lei que permite aos cidadãos denunciar às autoridades famílias LGBT, considerando que estas põem em questão o “papel constitucionalmente reconhecido do casamento e da família”.

Proibida. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa.

E, em virtude das restrições aos direitos da comunidade LGBT, bem como da população migrante, da independência judicial, das mulheres, dos órgãos de comunicação social e outros setores da sociedade, a Comissão Europeia decidiu diminuir sensivelmente o financiamento a Budapeste, face ao “desagrado dos Estados-membros da União Europeia perante o governo de Viktor Orbán (que ocupa o cargo de primeiro-ministro da Hungria desde 2010) e as suas sucessivas violações democráticas”.

Proibida. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa.

Arte é manifesto. Nietzsche teria dito que “…temos a arte para não morrer da verdade.” E o grande Fernando Pessoa escreveu que “…a arte é a autoexpressão lutando para ser absoluta”.

Proibida. Parece ter sido isso o ocorrido com a sala da fotógrafa naturalizada brasileira Claudia Andujar, em recente exposição na Europa. Galeria Claudia Andujar, Inhotim, foto de Eduardo Eckenfels
Galeria Claudia Andujar, Inhotim, foto de Eduardo Eckenfels

A arte de Claudia Andujar, mesmo censurada, ainda se posiciona e coloca a artista como uma das mais importantes do século XX. A Galeria que leva seu nome, um espaço que reúne mais de 400 obras da fotógrafa em Inhotim, é a mostra da potência de seu trabalho e da importância de seu discurso, em um mundo que, apesar do acesso à informação ter aumentado exponencialmente depois do advento da internet, ainda manifesta discursos reacionários, retrógrados e intolerantes.

Wair de Paula Jr.

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Tag: Claudia Andujar

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