Poder infantil

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Tive a honra de ser convidado pela direção da Casa Cor para o Lançamento do conceito da Casacor 2024, no auditório do Masp, projeto seminal de Lina Bo Bardi. Fazia anos que não ia àquele anfiteatro, foi lá que vi uma jovem Marisa Monte cantando, ainda desconhecida. Foi lá que vi uma palestra de Lina, genial.

Essas memórias ainda ecoavam em minha mente, antes de começar o evento, quando apareceu no telão, diretamente de Paris, Lidewij Edelkoort, uma respeitada estudiosa de tendências para nosso universo. E um suceder de imagens de alto impacto, todas coloridas, falavam sobre ancestralidade, criatividade, as tendências do morar e do viver para o presente e futuro próximos, e um dos painéis me tocou particularmente.

Conexão infantil. Lidelvij Edelkoort em poltrona feita por artista popular de Alagoas, exposta na Dutch Design Week 2023 – foto retirada do perfil @kazerneev
Lidelvij Edelkoort em poltrona feita por artista popular de Alagoas, exposta na Dutch Design Week 2023 – imagem do perfil Kazerne

Este painel discutia sobre nossa “Criança Interior”, e ela falava algo como que explicando que um certo humor inesperado no design nos transporta de volta a dias insolentes, para entrar em contato com nossa criança interior – como forma de recuperar e manter a criatividade, ou então como escape da dura realidade que nos cerca plena de boletos, atividades desgastantes e estresse (sem contar a política nacional e mundial).

E eu estava momentos antes fazendo um flashback de como – e quando – havia conhecido o Masp, o primeiro show de Marisa Monte, minha primeira emoção ao ver “ao vivo” o Rosa e Azul de Renoir ou O Filho do Carteiro de Van Gogh (sim, estas duas obras magníficas fazem parte do acervo do Masp) e, embora não fosse mais criança quando tive contato com essa realidade, era um jovem cheio de planos, expectativas e sonhos. Entrar em contato com esse passado dentro daquele templo dedicado à boa arte, e em seguida ver uma palestra que invocava essa sensação, me fez prestar mais atenção ainda ao assunto.

Dias antes, havia mostrado à cara-metade o perfil do Blankpuppets. São especializados nessas marionetes acima, e fazem vídeos extremamente delicados – e deixam claro a forma de manipulação, mas as músicas são bem escolhidas, os bonecos super fofos, e me deu uma vontade doida de comprar alguns, nem que fosse para colocar numa caixa de acrílico para enfeitar uma das estantes ou mesas da casa. Estes bonecos me conectavam diretamente com a infância, quando eu via Vila Sésamo, com Sonia Braga ainda mocinha – e todas estas lembranças de momentos mais ingênuos voltam à memória nestas situações.

Mais fofo ainda é o perfil do Ragmopandgoose. Uma dupla de artistas que faz bonecos para serem “adotados”, com um certificado de adoção, um puppet passport e um álbum para registros pessoais, que são entregues ao boneco quando ele vai ser entregue ao seu futuro “tutor”. Os vídeos da criadora encaminhando-os para serem despachados, quando estes documentos são entregues, e eles “interagem” com ela de forma lindinha, beiram ao comovente. E nos conectam imediatamente com nossa criança interior, impossível passar inalterado diante tanta fofura – design feito para emocionar, extremamente bem-sucedido.

Mas, voltando à palestra, ela mostrou uma longa série de imagens em que produtos inspirados no universo infantil estavam sendo produzidos e mostrados mundo afora. Das cerâmicas que pareciam ser feitas de massinha de modelar aos maravilhosos murais (acima) da Le Petit Bureau, por Sergio Machado, que invocavam rabiscos muito primários, todo um universo de elementos da decoração para adultos cujas intenções subliminares eram nos conectar com nossa inner child, com nosso lado ainda sem preconceitos ou dogmas, um apelo às ideias e conceitos originais, não perfeitos, sequer sofisticados, apenas originais – ou melhor, primordiais.

Assim como a arte popular (ou não-erudita como gosta de dizer minha amiga Wilma Eid, uma das maiores colecionadoras deste tipo de arte no país), mostrada em vários painéis desta palestra, tudo espelhava uma necessidade de volta às origens, uma revalorização literal do espontâneo, mas agora exibido e analisado através dos olhos da neurociência e chegando ao mercado através do interesse capitalista.

Não podemos ser ingênuos em desconsiderar que estas tendências criam bens de consumo, claro que a maioria de valor acessível, mas são produtos para serem consumidos, para estarem nas casas, nas vidas das pessoas hoje e no futuro próximo, segundo a mestra em tendências. Particularmente, ainda acho nosso mercado um pouquinho “careta” para absorver esta tendência, a maioria dos perfis das redes sociais exibe casas monotonamente beges e brancas, com ripinhas de madeira na parede, nada desta feérie detectada.

Claro que grande parte deste universo busca valorizar a mão de obra de comunidades que está abaixo da linha da pobreza, mas alguns aspectos desta tendência já foram cooptados pelo big market. Jeff Koons e seu cachorro imenso de flores, à porta do Museu de Bilbao, ou a obra de Fernando La Posse (foto acima), um imenso monstro feito de fibra vegetal e denominado Big Papa, com seis metros de altura, são peças que atingem cifras bastante significativas. Ou seja – buscar nossa criança interior pode demandar um orçamento significativo, às vezes…

Também de Fernando La Posse, a poltrona acima estava exposta em uma prestigiada galeria de arte na última Design Miami, e sob essa aparência de bichinho de pelúcia existe não apenas transgressão, mas – e principalmente – um acurado sentido de capturar a essência da necessidade do consumidor. Esta poltrona parece um imenso bicho de pelúcia pronto para abraçar quem nela se jogar, uma imersão imediata em tempos em que brincávamos com objetos quase banais – aqui transformados em uma verdadeira armadilha emocional.

O Estúdio Campana parece ter sido um dos primeiros estúdios de design no Brasil a detectar essa tendência – seu design parece ter um quociente de intuitivo que provoca nossas fantasias, em produtos cultuados no mundo todo (e comprado por poucos, dado o valor das peças atualmente).

Se estas tendências se confirmarem, será que veremos o lúdico entrar nos projetos dos designers de interiores mais afamados?  Fora Janete Costa, Carlos Augusto Lyra e Chicô Gouvêa, que sempre fizeram uso deste universo e destes preceitos em seus projetos no Brasil – residenciais, comerciais ou expositivos – não enxergo a maioria de meus colegas fazendo uso do humor em seus projetos, característica imprescindível para adotarmos essa tendência. Isso pressupõe um aspecto de colecionismo, de cultura não generalizada, um conhecimento plural e sem dogmas muito fechados, a não ser a qualidade e originalidade das propostas.

Imagem do perfil kazerneehv, publicada durante a Dutch Design Week 2023

Lidewij Edelkoort parece enxergar no Hemisfério Sul o futuro do design – tanto na moda, quanto no design propriamente dito, se estendendo ao design de interiores. Seus painéis e conceitos exploram o colorido da África, Oceania, América Latina, e ela acredita que o futuro se apresentará para nós através destes fundamentos e estéticas.

Eu adoraria que ela estivesse certa, pois sou um contumaz entusiasta deste cross culture, da interposição de épocas, estilos, referências diversas para compor ambientes – sejam comerciais, corporativos ou domésticos. Utilizando-se os princípios básicos do equilíbrio, da utilização de produtos de origem ética, acredito piamente que tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Perfis citados:

Kazerne  / Blankpuppets / Ragmopandgoose  /  Le Petit Bureau

Wair de Paula Jr.

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Tag: Lidewij Edelkoort

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