Todo mundo sabe que a noção de conforto na casa mudou completamente… e não foi apenas durante a pandemia. Ela já vinha se arrastando há alguns anos como nós no sofá, onde hoje quase nos deitamos, em vez de sentar. Trata-se de um novo conceito de mobiliário? Ou seria uma outra concepção das antigas boas maneiras?
Se os eretos canapés com assento e encosto de palhinha já haviam sido abandonados no seu auge no século 19, os sofás e as poltronas das mais icônicas do design brasileiro surgiam nos últimos anos das décadas de 1950 e 60 respectivamente – vide os exemplares Mole (1957) e Jangada (1968), assinados por Sergio Rodrigues e Jean Gillon que, com seus almofadões de couro sobre estruturas de madeiras nobres, apontavam e ainda apontam com sucesso para o relax em detrimento da postura mais “correta” em nossas salas de estar. O próprio Sergio aparecia, em desenho de Juarez Machado, despojadamente sentado na premiada (em Cantu, na Itália) Mole – criada por ele em princípio como sofá para o estúdio do fotógrafo Otto Stupakoff – com a perna jogada sobre um dos braços da poltrona, que delícia!
Internacionalmente, na história do móvel moderno, no final dos anos 1960 e início dos 70, estes e outros designers-arquitetos-artistas fizeram e nos legaram sofás e suas poltronas-irmãs confortabilíssimos e rechonchudos que voltam à tona desde 15 anos atrás – e agora com força total – em suas versões originais ou em repetidas edições ou reedições de sucesso como os Strips (produzido pela Arflex), da arquiteta italiana Cini Boeri, projetado em 1968, hoje na Micasa; o Camaleonda (da B&B Italia) hoje na Casual, do também italiano Mario Bellini, de 1970; e o Togo, com design do francês Michael Ducaroy, da Ligne Roset, de 1973.
Era inicialmente com a revolução dos materiais, como a espuma, o plástico, o alumínio, o uso do couro, e a própria madeira que a indústria se lançava em novos caminhos para a fabricação em série de peças de mobiliário tradicionalmente feitas uma a uma por mestres marceneiros e estofadores, estes que o sul do Brasil convencionou chamar de tapeceiros, uma profissão tão artesanal quanto a marcenaria, e também ainda em voga para as criações mais específicas e individualizadas, através dos poucos profissionais restantes.
Em seu livro Decoração – ideias e princípios práticos, de 1973, Geli Moreira de Souza (que organizava cursos de decoração na Florilândia, fundada por ela e seu marido, o “jardineiro” José Cândido Moreira de Souza em Petrópolis), já dizia:
“A escola italiana do estilo moderno deve seu sucesso à audácia de suas formas aliada à elegância dos materiais empregados e à busca de conforto”.
E continuava: “Na França, o movimento foi retardado limitando-se às cópias, sobretudo da Escandinávia. Só recentemente – dizia Geli em 73 – começou a se fazer sentir a concepção francesa do estilo moderno (e aí cita Pierre Paulin, entre outros), sobretudo em face dos espaços reduzidos dos modernos apartamentos parisienses que usam uma grande variedade de módulos e móveis transformáveis…”.
E mais: “Nos Estados Unidos, principais precursores do estilo moderno, temos desde os móveis que já hoje conservam um aspecto clássico e refinado… (e cita Charles Eames e Florence Knoll, entre outros) até criações mais livres”.
Nos dias atuais, produzidos na Europa e na América, e com sua distribuição mundial, convivem contemporaneamente os “clássicos” do passado e outros móveis fofos e muitas vezes modulados que citamos, e os de criação recente assinados pelos ousados e aclamados irmãos Ronan e Erwan Bouroullec, e mesmo pelo chic Pierre Yovanovitch. Na Itália, pelo grande Piero Lissoni, e nos Estados Unidos pela fofíssima e sempre inovadora Kelly Wearstler, por exemplo.
Parrudos, fofos ou gordotes, o nome que quiserem lhes dar, estes móveis nos trazem conforto em todos os sentidos, inclusive para o olhar. Afinal, a estética também conforta, “para que possamos viver e morar melhor em ambientes de gosto equilibrado”, como pontua Paulo Affonso de Carvalho Machado, expert e autor de diversos livros sobre nossos temas, como as antiguidades, em sua apresentação do livro de Geli, que ele classifica como “verdadeira mestra da decoração”.
Vale lembrar que a história, mesmo quando não tem passado tão longínquo, pode nos proporcionar um banho de conhecimento e entendimento da própria contemporaneidade, na qual vivemos e em que tanto queremos nos espelhar. Aqui, antes e depois se contrapõem e, ao mesmo tempo, preservam aquilo que é essencialmente bom, moderno e eterno.
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