A busca por experiências e exposições imersivas tem criado novas propostas na cidade de São Paulo. De prédios abandonados – como o recente Edificio Virginia, que foi ocupado pelo coletivo Bafu e expôs trabalhos de novos criativos em 3 de seus andares, no prenúncio de um retrofit deste prédio localizado em uma esquina no centro da cidade de São Paulo, a galpões localizados nos bairros periféricos da cidade, a cidade é plena de opções para todos os momentos e projetos expositivos. E a mais recente destas ocupações ocupa uma casa projetada pelo arquiteto, professor universitário, engenheiro e urbanista Vilanova Artigas, responsável por edifícios e construções icônicas na cidade.
A ABERTO/02 é uma plataforma de exposições itinerantes, geralmente realizadas em espaços não tradicionais, e cada edição conta com um projeto curatorial específico, definido por um comitê artístico multidisciplinar. E, em sua segunda edição, a ABERTO ocupa uma residência nunca antes aberta ao público, projetada pelo expoente da chamada Escola Paulista de Arquitetura.
Entre as obras exibidas nesta casa que data de 1974, um icônico Degas de 1884, além de obras especialmente produzidas para a exposição por grandes artistas brasileiros. E, além do diálogo desta casa com as obras nela inseridas, foi a oportunidade para se lançar a estante Artigas 166, criada pelo arquiteto em 1983 para a casa de sua filha Rosa Artigas, e que agora está sendo editada pela Etel Design em parceria com o Instituto Virginia e Vilanova Artigas. Composta por 9 nichos de madeira, sendo 3 destes fechados com portas de fórmica nas cores primárias. Em edição limitada de 30 peças, a partir dela (e de esboços do próprio arquiteto) serão feitas versões horizontal e vertical, editadas em série de 15 peças cada.
As cores presentes no icônico Edifício Louveira, projeto seminal deste arquiteto junto com Carlos Cascaldi de 1946, se repetem nos fechamentos destas estantes, em maciços blocos de cor, um belíssimo exercício de volumes e momentos ocupados e desocupados, criando um móvel com forte embasamento modernista mas de resultado extremamente contemporâneo.
E a espessura das portas revela um volume ousado, convidando o usuário ao manuseio destas, provocando o espectador através da forma e da cor – exercício que esse arquiteto sempre praticou, e que agora podemos levar para casa. Depois da recém-lançada estante do mestre italiano Gaetano Pesce para uma marca italiana, esta é a estante que eu adoraria ostentar em minha casa, com sua aparência de obra de arte, uma mistura de Mondrian e Donald Judd – dois artistas que cultuo, mas cujas obras estão muito acima das posses da maioria dos mortais.
Nesta oportunidade, a designer Claudia Moreira Salles lançou, em colaboração com o designer Domingos Totora, o banco Convívio, criado especialmente para a exposição e que agora integra o portfolio de produtos da Etel. Domingos é um mestre do papel, que utiliza geralmente em esculturas e peças utilitárias, e aqui este plano constituído por uma massa de papel sólido, quase monolítico, cria um magnífico contraste com a superfície lisa da madeira, material que Claudia Moreira Salles domina com maestria. Uma collab de dois grandes, que fizeram uso de seus metiers para criarem uma peça absolutamente original e única. E, como a estante de Artigas, de forte caráter escultórico.
Uma das paredes da casa exibe uma importante tapeçaria de Alighiero Boetti, concebida em Roma e executada no Afeganistão e Paquistão. Como comum na obra deste artista, este trabalho traz centenas de quadrados compostos por blocos de cores e letras, criando uma obra de caráter hipnótico, fascinante.
Boetti foi um dos expoentes da Art Povera italiana, mas nas últimas décadas de sua vida dissociou-se deste movimento, criando para si uma persona dupla – Alighiero & Boetti – refletindo os fatores opostos apresentados em sua obra: o indivíduo e a sociedade, o erro e a perfeição, a ordem e a desordem.
Ainda de autoria de Claudia Moreira Salles, os cavaletes/luminárias intitulados CAVALEDS. Feitas de cobre, com bases de concreto e spots de nióbio, foram feitas em três cores lindas – azul, roxo e verde. E nesta casa, exibem obras de Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Eleonore Koch.
O diálogo provocado entre estes expositores delgados com o brutalismo das paredes é fascinante, e este cavalete é uma peça de manufatura delicada e impecável, como tudo o que esta designer projeta. Claro que se tornou imediatamente um item desejável para expor algum item de minha coleção particular – tenho um desenho da década de 1970 de Claudio Tozzi que ficaria maravilhoso exposto numa preciosidade destas.
Nesta edição da Aberto / 02, o Estúdio Campana expõe duas peças – a cadeira Tronco e o vaso Cocar, bem como uma instalação do cobogó Fitas. Segundo Humberto Campana, a casa de Artigas foi uma inspiração para criar algo primitivo, “...indo em direção ao vernacular. A cadeira Tronto e o vaso Cocar remetem à espiritualidade, ao xamanismo, em uma linguagem que conecta o ancestral e o contemporâneo”. E a poesia explícita destas duas peças compõe outro interessante diálogo/manifesto com a arquitetura, apesar das décadas que as separam parecem ser contemporâneas, a autenticidade destas é realçada pelo cenário e vice-versa.
O vaso Cocar é de uma simplicidade absoluta, explicitando sua inspiração de forma magnífica. Raras vezes vi a interpretação de uma ideia com tamanha economia de desenho e potência no resultado. Aqui, as questões da ancestralidade do design se manifestam de forma categórica, em uma belíssima homenagem aos povos originários.
E a casa ainda exibe uma escultura de Maria Martins, a mineira que recebeu a alcunha de “a surrealista dos trópicos”. Reconhecida entre seus pares surrealistas – André Breton e o grupo de surrealistas que vivia nos Estados Unidos na década de 1940 – foi a única brasileira a integrar este grupo, e suas obras atualmente estão nas melhores coleções no Brasil e no mundo.
A feminilidade, o erotismo e a sensualidade eram não apenas explorados em sua obra, mas manifestados em sua vida pessoal – afinal, Maria Martins era uma mulher à frente de seu tempo. Conjugava aspectos da natureza como alegoria da potência do desejo, e utilizava de elementos do inconsciente para criar obras de forte impacto visual, carregadas de erotismo, mas também de lirismo.
A ABERTO/02 acontece de 13 de agosto a 17 de setembro, e os ingressos podem ser adquiridos através de seu perfil no Instagram @aberto.art. Uma oportunidade única de se conhecer um projeto de Artigas e conviver com um grande número de obras de arte/ou design, mais um espaço alternativo dentro desta nova corrente de espaços expositivos.
Já segue a Conexão Décor?
Siga o nosso Instagram e Facebook e acompanhe as novidades sobre decoração, arquitetura e arte.