Arte e Moda

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Recentemente, viralizou nas redes uma imagem saída da passarela do Ru Paul’s Drag Race –a dragqueen Gottmik, para atender ao tema de um dos desfiles, apareceu trajando um belíssimo vestido com a imagem do famoso quadro “O Grito”, de Edvard Munch de 1893. A obra original representa uma figura andrógina em um momento de aparente desespero, tendo como plano de fundo a doca do fiorde de Oslo ao pôr do sol. Com as mãos levadas ao rosto e a boca aberta, como se estivesse de fato gritando, o quadro – segundo pesquisadores – buscava expressar esse sentimento que o pintor vivenciava à época.

Arte e ModaRecentemente, viralizou nas redes uma imagem saída da passarela do Ru Paul’s Drag Race –a dragqueen Gottmik, para atender ao tema de um dos desfiles, apareceu trajando um belíssimo vestido com a imagem do famoso quadro “O Grito”, de Edvard Munch de 1893.
Fotografia: Alberto Sanchez e Pedro Zalba

Esta roupa, que segundo informações levou mais de 1000 horas para ficar pronta, ostentava mais de 500 mil cristais de 50 diferentes cores, e a drag reproduzia, em seu catwalk, a pose da figura retratada – em perfeita sintonia com o tema, apesar de ter conferido um glamour que a obra original não tinha. Coincidentemente, no dia em que vi esta imagem – aliás, uma profusão de imagens desta performance – eu havia comprado ingressos para visitar o MASP (Museu de Arte de São Paulo), a icônica arquitetura de Lina Bo Bardi, e, no subsolo deste, uma exposição sobre este tema – Arte na Moda. Um projeto que levou alguns anos para ser mostrado, e que envolveu três curadoras adjuntas de moda no Museu (Patricia Costa, Lilian Pacce e Hanayrá Negreiros) e 26 duplas de artistas e designers de moda, resultando em 78 trabalhos. Era muita coincidência, eu tinha que ler mais sobre o tema…

Arte e Moda. duas belíssimas roupas criadas por Andrea Marques, em parceria com a artista plástica Beatriz Milhazes
Fotografia: Wair de Paula

Logo no início desta exposição, me deparei com estas duas belíssimas roupas criadas por Andrea Marques, em parceria com a artista plástica Beatriz Milhazes. Confesso que não sou muito fã da obra de Beatriz, mas estas roupas eram simplesmente magníficas – não apenas conceitualmente, como em termos de execução, primorosas. Eu não sei quantas horas levaram para casar o desenho à perfeição e fazer esta franja de tecido, feitas uma a uma, mas o resultado impressiona, tanto pelo esmero quanto pela tradução da obra da artista ao criar uma roupa absolutamente usável dentro deste conceito. Andrea optou pelo caminho mais difícil ao transpor a obra de Milhazes para uma modelagem formal, em belíssimo exercício de conjunção de linguagens.

Arte e Moda. duas belíssimas roupas criadas por Andrea Marques, em parceria com a artista plástica Beatriz Milhazes
Fotografia: Wair de Paula

Algumas roupas desta exposição trafegam entre os limites entre a roupa e a escultura, outras questionam as definições e os limites conceituais do que é uma roupa. Mas, acima de tudo, o conjunto destas peças fala sobre as possibilidades de colaboração e diálogo entre arte, moda e design, colocando o Museu como um elemento fundamental para estimular – e, consequentemente, expor – áreas de criação tão próximas. Esta exposição tem curadoria de Adriano Pedrosa, atual diretor artístico do MASP e também curador da atual Bienal de Veneza, junto a Leandro Muniz, curador assistente. É interessante ver a roupa como um veículo de manifestação quase política, ao ser apresentada em formas e silhuetas que variam das minimalistas às maximalistas, das usáveis às não usáveis.

Yves Saint Laurent, inspirado pelo minimalismo das obras de Piet Mondrian, criou uma das peças mais replicadas da história da moda – o vestido quadriculado acima, feito em 1965, utilizando as linhas e palheta do famoso pintor nascido em 1872, considerado um dos maiores artistas do século XX.

Muito anos – décadas, aliás – antes de utilizarmos o termo collab, Yves Saint Laurent, inspirado pelo minimalismo das obras de Piet Mondrian, criou uma das peças mais replicadas da história da moda – o vestido quadriculado acima, feito em 1965, utilizando as linhas e palheta do famoso pintor nascido em 1872, considerado um dos maiores artistas do século XX. Um dos pioneiros da arte abstrata deste século, mudou sua direção artista de uma pintura figurativa para um estilo cada vez mais abstrato, a um ponto em que seu vocabulário visual foi sintetizado a simples elementos geométricos.

Yves Saint Laurent, inspirado pelo minimalismo das obras de Piet Mondrian, criou uma das peças mais replicadas da história da moda – o vestido quadriculado acima, feito em 1965, utilizando as linhas e palheta do famoso pintor nascido em 1872, considerado um dos maiores artistas do século XX.

Eu não sei quem é o autor da magnífica foto acima, que contrapõe a obra de Mondrian à coleção desenhada por Saint Laurent. Aqui o designer conseguiu não apenas reproduzir elementos formais da obra do artista, mas – e principalmente – propor uma nova silhueta, mais simples e paradoxalmente rigorosa em suas formas e proporções. Não é à toa que esta coleção está presente nas principais coleções de Moda mundo afora, pois é um marco na História da Moda tanto por ter sido um dos primeiros a se apropriar da obra de um artista, como por traduzi-la em uma nova estética.

Arte e Moda. Yves Saint Laurent foi o estilista que mais prestou homenagens às Artes Plásticas – provavelmente devido ao seu gosto requintado e à paixão pela chamada bell´arte. Os quadros La Gerbe e L´Escargot, de Henri Matisse, foram o tema destes vestidos acima.

Provavelmente, Yves Saint Laurent foi o estilista que mais prestou homenagens às Artes Plásticas – provavelmente devido ao seu gosto requintado e à paixão pela chamada bell´arte. Os quadros La Gerbe e L´Escargot, de Henri Matisse, foram o tema destes vestidos acima. Lindos, sem dúvida alguma, mas não chegam à magnitude da coleção feita sob o tema Mondrian, pois lá ele se apropriou inclusive da forma para propor um trabalho absolutamente novo. Não foi uma coleção icônica à toa, teve uma soma de valores muito fortes para classificá-la como tal.

obra de Tarsila do Amaral serviu de referência para uma coleção inteira sob a marca Osklen

Também recentemente, a obra de Tarsila do Amaral serviu de referência para uma coleção inteira sob a marca Osklen. Particularmente, eu “implico” um pouco com a apropriação das imagens de obras de arte para outros campos – seja no design de produtos como louças, tapetes, móveis – seja para o campo da moda. Fico pensando se o/a artista permitiria a apropriação de seu trabalho (que agora é gerido pelos herdeiros deste) sob esta forma – e a obra de Tarsila já virou uma grande sequência de subprodutos, desde a coleção acima, passando por sandálias feitas pela Melissa, tapetes, capas de caderno e até desenho animado. Talvez eu seja um purista, ao ver uma apropriação mais adequada destas obras e imagens nos vestidos de Saint Laurent ou nas duas peças criadas por Andrea Marques, que se preocuparam em interpretar códigos permanentes nas obras dos artistas para criar seus produtos – e não apenas em se apropriar das imagens mais icônicas destes artistas para criar um produto.

Arte e Moda. a alemã Jil Sander, já se apropriou de obras de arte – no caso a cerâmica com o traço inconfundível do mestre Pablo Picasso – para colocar em sua coleção Primavera/Verão 2012.

Até uma de minhas estilistas preferidas, a alemã Jil Sander, já se apropriou de obras de arte – no caso a cerâmica com o traço inconfundível do mestre Pablo Picasso – para colocar em sua coleção Primavera/Verão 2012. Mais um processo de copia-e-cola do que o de desenvolver uma estética baseada na obra do artista (como fez YSL), e que, segundo sites em que vi esta coleção, foi um acerto da estilista, pois…” não tem ninguém que não queira ter uma roupa estampando os traços de Picasso…”. Será que ele, apesar de ter sido um artista bastante preocupado com a mercantilização de sua obra, teria permitido tal uso? Ver seus traços em outra proporção, textura e cores?

Pouco tempo atrás, vimos a colaboração entre a artista nipônica Yayoi Kusama e a legendária marca Louis Vuitton, que não apenas se apropriou das bolinhas onipresentes na obra desta artista, como também de sua própria imagem, ao colocar manequins robotizados com as feições de Yayoi nas principais vitrines na marca. Yayoi trafega em várias plataformas artísticas, com pinturas, esculturas, instalações, e foi uma grande sacada da marca se apropriar do elemento mais conhecido de sua obra para lançar esta coleção. Mas a obra de Kusama é, fundamentalmente, sobre a obsessão (nascida provavelmente da ansiedade) de repetir certos atos para justamente se libertar dessa obsessão. Desde muito cedo, sua arte é um ritual privado e atávico, da repetição que deve levar à catarse. Usada como estampa de uma coleção em uma marca de moda ela perde todo este contexto, passando a ser apenas uma padronagem.

Arte é uma palavra originada do vocábulo latino ars e significa técnica ou habilidade. Podemos dizer que é uma das mais antigas manifestações de comunicação do homem. A moda chegou muito depois disto, mas também é uma forma de comunicação.

Mas moda não é Arte, é um produto de vida geralmente efêmera destinado a suprir certas necessidades – a de se vestir, a de se cobrir, a de se mostrar, a de se destacar. Mas Moda e Arte podem andar juntas às vezes…

Wair de Paula Jr.

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