Moda – e design – sustentáveis são assunto em alta, devido à onda de conscientização crescente no mundo. Segundo um estudo feito pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a produção da indústria têxtil é responsável por 2% a 8% do volume de emissões de gás carbônico mundial – isso sem contar a fase de tingimento, uma das maiores causadoras de poluição de fontes de água. Em virtude disso, diversas marcas – e criadores – começaram a trabalhar com os conceitos de upcycling e recycling em seus produtos, evitando o desperdício de matérias primas de forma muito criativa.
A diferença entre estes dois termos reside em que o recycling – ou reciclagem – é um processo de transformação de um produto, já finalizado, em busca do material/matéria prima a ser utilizado na produção de um novo objeto. Para que uma peça seja reciclada, ela passa por processos físicos, químicos e até maquinário especializado. Já o upcycling é um conceito diferente, pois consiste em aplicar um novo uso a produtos que seriam descartados, ampliando o ciclo de vida daquele material. E como manifestação de um upcycling que me chamou a atenção recentemente, abro este com o trabalho do fashion designer Ricardo Pinto, que transforma calças de jeans em jaquetas e quimonos simplesmente maravilhosos, deixando visível a forma como o material original foi utilizado, aplicando bordados, rendas, pedrarias e muito mais.
Eu conheci o trabalho desse designer através do Instagram, e fui atrás para constatar a qualidade de seu trabalho. Ele transforma calças de jeans em quimonos maravilhosos, requintados, num trabalho de quase ourivesaria têxtil, como prova a peça acima. Como consequência, cria peças absolutamente únicas, e eu aprecio muito esse caráter de unicidade de qualquer produto posto no mercado. Ainda mais quando questões como sustentabilidade, reaproveitamento e um alto teor de técnicas handmade são utilizadas em uma única peça.
O casaco acima, uma explosão de texturas e desenhos, me lembra a obra de um de nossos maiores artistas – Arthur Bispo do Rosário, o sergipano que, por sofrer de esquizofrenia, residiu em diversas instituições psiquiátricas por quase 50 anos. Sua obra, que agrega algumas centenas de peças, tem em seu Manto da Apresentação uma das suas peças mais icônicas, representando nesta um inventário do mundo e dos elementos do cotidiano do artista, para catalogar nossa existência, como um meio de comunicação entre os céus e a Terra. E este casaco é igualmente fascinante, uma peça que eu usaria com muito cuidado, dado seu quociente de realeza quase pop, parecendo uma obra em processo contínuo, fascinante em todos os aspectos.
Partindo para o campo do design, eu tenho uma profunda admiração pelo trabalho de Marcelo Magalhães. Formado em comunicação, artista gráfico e “carpinteiro” autodidata, cresceu e se criou entre ferramentas da marcenaria de seu avô, e foi neste cenário que começou a trabalhar com madeira de demolição – até descobrir os galhos de manejo e coleta urbana, que utiliza em escultóricas e únicas peças, como o abajur acima, cuja naturalidade da matéria prima é explícita, e sempre utilizada de forma poética e absolutamente impecável.
Tenho que confessar que o aparador acima (do mesmo designer) é um daqueles itens que eu adoraria ter pensado/feito para alguma coleção e/ou marca. Este emaranhado intrincado de galhos aparentemente desconexos, apoiando perfeitamente o tampo, tem um quê de Franz Krajcberg – o artista plástico nascido na Polônia e naturalizado brasileiro, cuja obra é um manifesto em defesa do meio ambiente. Esse viés da obra do artista polonês parece percorrer o discurso de Marcelo Magalhães, um sentido de permanência, quase eterna, da natureza. Um belo exercício conceitual e estético.
Concebida por Angela Missoni para a marca que tem seu sobrenome, Miss Dondola é um balanço feito a partir das aduelas de barris conectados por cordas. Este projeto faz parte de uma iniciativa da organização reabilitadora San Patrignano para dar um upcycle à madeira, uma ação paralela ao trabalho desta organização que oferece ajuda gratuita a crianças e jovens com problemas de dependência financeira/emocional. Aqui, vemos o upcycling adquirir uma dimensão ainda maior do que a mera reutilização de uma matéria prima, em um poderoso discurso social.
E é da empresa By Kamy uma das mais profícuas produções de produtos oriundos do conceito upcycling em nosso mercado. Através de sua marca By Kamy Verde, procura reutilizar a matéria prima de seus produtos -tapetes – com o auxílio de designers, artistas plásticos e toda sorte de criadores. Firma, desta maneira, seu compromisso com uma forte consciência ecológica, promovendo a criatividade somado ao seu conhecimento têxtil. E o tapete Amarelinha acima, feito com resíduos do tapete Revolution (um produto extremamente durável e que pode ser utilizado em áreas molhadas) é uma ideia do escritório KTA, de Ana Cristina Tavares e Claudia Krakowiak.
E o que dizer do tapete Mandala Tamil, de autoria de Kiko Maldonado (diretor de arte da By Kamy Verde) a não ser que é maravilhoso? Podendo ser usado tanto na parede quanto no piso, reforça a conexão com o futuro sustentável através da forma de uma Mandala – cujos atributos ajudam no equilíbrio e na concentração. Obra de quem tem profundos conhecimentos da área têxtil.
Eu confesso ser um grande admirador desta marca e de seus donos, e tenho planos de conseguir convencer a dona a participar deste processo de fazer uma pequena coleção “verde” no futuro – já tenho o tema, e as ideias já estão todas organizadas – criar peças que juntam todo o conhecimento têxtil da marca com a ancestralidade africana. Aguardem…
E é da Casa Julio uma manifestação do recycling de ponta no mercado – seus tapetes feitos de resíduos de garrafas PET. O impacto destas embalagens no meio ambiente pode ser minimizado através da reciclagem destas que são transformadas em fios e geram tapetes lindos e extremamente macios, como o acima, em degradê de preto e cinza, uma das várias cores que a marca conseguiu desenvolver através deste processo.
Eu adorei os tons de azul que este fio apresenta, são extremamente elegantes, tons quase etéreos que parecem ter sido extraídos de pigmentos puros. As empresas empenhadas em participar destas mudanças de visão se tornarão os expoentes do mercado, pois nós, consumidores, damos atenção a este tipo de posicionamento cada vez mais. Num mundo onde parte da tecnologia tem sua obsolescência programada, gerando resíduos que durarão anos antes de se reintegrarem de forma não agressiva ao meio ambiente, ter um produto pensado e criado de forma a desempenhar um papel definitivo na criação de um meio ambiente saudável é um atributo que confere inegável apelo sensorial/emocional.
Como é o caso do tecido que reveste a poltrona acima, outra beleza em degradê de cinza. A poltrona Bubble, da Saccaro (que recém inaugurou uma unidade em Itaipava e que brevemente deverá estar em nossa cidade) aqui está revestida de um tecido 3DKnit, também feito através da reciclagem de garrafas PET. Esse tecido, além de seus atributos ecológicos, ainda confere uma maciez inconteste à poltrona, pois tem uma certa elasticidade. Beleza, conforto e consciência ecológica em um único produto – um discurso impecável para qualquer empresa que queira se destacar no mercado.
As empresas que não se afinarem com os discursos de posicionamento junto ao meio ambiente, junto às questões sociais e paralelo aos momentos de conscientização das diferenças serão as futuras vendedoras de enciclopédias – ou seja, estão fadadas ao passado. Eu persigo uma frase que ouvi algum tempo, não lembro quem a proferiu, que dizia que o passado é um lugar de referência, mas não de residência. Assino embaixo..
Endereços: Ricardo Pinto | Marcelo Magalhães | Missoni | By Kamy | Casa Julio | Saccaro
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