Divina Conexão

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Como havia dado um spoiler no post anterior*, hoje vamos falar sobre Arthur Bispo do Rosário (1909 / 1989), o sergipano que viveu recluso por cinquenta anos em uma instituição manicomial, onde realizou obras que, segundo ele, eram ditadas por anjos para serem apresentadas a Deus no dia do Juízo Final.

Obra do Arthur Bispo do Rosário (1909 / 1989), o sergipano que viveu recluso por cinquenta anos em uma instituição manicomial.

Historicamente, a loucura tem sido marginalizada para dentro de muros de clínicas, para recentemente extrapolarem os limites destes através de obras de seus residentes, mostrando manifestações de inconteste valor emocional e artístico. Lembremo-nos da Dra. Nise Silvera, que defendia o uso da arte para a manutenção da saúde mental, principalmente escultura e pintura.

Obra do Arthur Bispo do Rosário (1909 / 1989), o sergipano que viveu recluso por cinquenta anos em uma instituição manicomial.

No Caso de Bispo do Rosário, uma questão: ele recusava o título de artista. Afirmava ser  “...o enviado da providência. Nasci numa estrela e venho salvar a humanidade…”. Criava suas peças como um inventário do mundo, e esse conjunto artístico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2018, e já foi exibido em mostras como Brasil + 500 – Mostra do Redescobrimento, e na 55ª Bienal de Veneza, Itália – além da atual 35ª Bienal de São Paulo. E seus trabalhos eram feitos de modo muito intuitivo, uma criação espontânea, pois ele desfiava os uniformes dos internados e se utilizava de objetos recolhidos do cotidiano para conceber seus estandartes e mantos.

Obra do Arthur Bispo do Rosário (1909 / 1989), o sergipano que viveu recluso por cinquenta anos em uma instituição manicomial.

Apesar de ter sido fotografado em 1943 pelo fotógrafo Jean Manzon ao lado de alguns de seus artefatos (porém sem ter seu nome citado) em uma matéria sobre o Hospital Psiquiátrico da Praia Vermelha, seu trabalho só ganhou status de arte a partir de 1980, quando seria classificado como Arte Vanguardista, tendo seu trabalho comparado à obra de Marcel Duchamp.

Obra do Arthur Bispo do Rosário (1909 / 1989), o sergipano que viveu recluso por cinquenta anos em uma instituição manicomial.

Ele utilizava a palavra como elemento básico, e ao recorrer a essa linguagem ele manipulava signos e fragmentava a comunicação em códigos privados. Textos verborrágicos, uma história sem fim, sem vírgulas, decomposta em palavras soltas, impecavelmente bordadas, hipnóticas. E, mesmo inserido em um contexto marginalizado, conseguia driblar as instituições todo tempo – a instituição manicomial ao se recusar a receber tratamentos médicos, ao mesmo tempo que tirava dela os subsídios para elaborar sua obra. E ao “esnobar” os museus quando recusou em vida expor a totalidade de suas obras, pois tinha receio de separar-se delas.

Manto da apresentação, obra do Arthur Bispo do Rosário (1909 / 1989), o sergipano que viveu recluso por cinquenta anos em uma instituição manicomial.

Sua obra mais conhecida é o Manto da Apresentação. Um manto com a qual ele se apresentaria a Deus no dia do Juizo Final. Uma vestimenta que ele fabricou ao longo de décadas, enquanto esteve internado na Colônia Juliano Moreira, na verdade um cobertor transformado em majestoso traje, inteiramente bordado interna e externamente com palavras e símbolos que revelam a síntese de sua obra, fios cruzados quais artérias, um manto nobre retirado de materiais banais para hoje brilhar em exposições.

Arthur Bispo do Rosário (1909 / 1989), o sergipano que viveu recluso por cinquenta anos em uma instituição manicomial.

Eu gostaria de saber se ele foi enterrado com algum manto, pois efetivamente com este não o foi. Me pergunto se algum dos mantos que ele teceu ao longo de sua história escapou do processo de aceitação de seu trabalho do status de obra de arte de altíssimo quilate, visto ter sido consagrado após sua morte como referência da Arte Contemporânea Brasileira. O artista que não queria se separar de sua obra teria se apresentado com algum de seus mantos?

E essa é uma pergunta retórica enquanto passamos entre suas obras, finamente expostas entre paredes de vidro e elegantemente iluminadas, saídas dos quartos escuros de uma instituição psiquiátrica e agora exibidas numa das maiores exposições de arte do mundo. O artista que recusava este título agora tem seus trabalhos expostos nos quatro cantos do mundo, suas obras são estudadas pelos maiores conhecedores de Arte e disputada pelos mais respeitados curadores e museus.

Quando eu subir, os céus se abrirão e vai recomeçar a contagem do mundo. Vou nessa nave, com esse manto e essas miniaturas que representam a existência. Vou me apresentar.”

 

Post anterior*, clique aqui para ler.

Wair de Paula Jr.

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Tag: Arthur Bispo do Rosário

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