CONEXÃO ÁFRICA
Sobre a ancestralidade do design
Antes que me acusem de apropriação cultural indébita, já vou explicando – acredito numa grande aldeia global, no termo cunhado por Marshal McLuhan nos longínquos anos 1960. A informação propiciada pelo advento da Internet gerou – e continua gerando – a contínua comunhão dos conceitos, das culturas, o conhecimento amalgamado pela quantidade disponível na rede. Agora que já dei essa justificativa logo de início, assumo que adoro a arte africana, suas cores, formas e texturas. Os criadores deste continente parecem ter uma facilidade de criar motivos aparentemente desconexos e colocá-los sob uma gama de cores de suprema elegância.
E a poltrona que abre esse post, totalmente bordada em miçangas, é um objeto de desejo desde a primeira vez em que vi uma, muitos anos atrás, em uma loja magnífica no Soho novaiorquino. Em algumas culturas africanas, as miçangas são utilizadas como signos de orgulho, beleza, poder, cultura e identidade. Ou seja – não é apenas uma manufatura de excepcional apelo visual, mas também uma manifestação cultural de uma sociedade ancestral, que se mesclaria perfeitamente ao design contemporâneo de minha casa.
E foi estudando a padronagem do continente africano que fiz, alguns anos atrás, uma coleção de tecidos para uma marca brasileira absolutamente inspirado nos tecidos Bogolan e Kuba, substituindo o algodão malês feito à mão – e tradicionalmente tingido com lama fermentada – dos tecidos da cultura tradicional do Mali por um veludo de algodão sem brilho, de alto resultado estético.
Ou os panos de ráfia – Kuba – da República do Congo (antigo Zaire) por um algodão estampado, mantendo a complexidade do design e as cores originais, só que com um resultado um “pouquinho” mais macio do que o original. O ambiente acima conta com uma poltrona absolutamente contemporânea com um tecido lindo, visivelmente inspirado nesta cultura.
E, já que estou do outro lado da Ponte Aérea, fui pesquisar onde comprar estas maravilhas na capital paulistana. E descobri a Casa das Kapulanas, uma especialista em tecidos africanos. As opções são tantas, e tão lindas, que para mim é impossível escolher os que mais gosto. Sempre aparece uma estampa inusitada, uma cor inusitada, um arquétipo visual que estranhamente remete ao gênio italiano Fornasetti (só que pensado milhares de anos antes…), padrões extraordinariamente belos.
Tenho a ligeira impressão de que, atualmente, estes tecidos perderam sua essência construtiva, devido ao conhecimento globalizado de tinturas, pigmentos, etc. Mas continuam frescos e originais, em estampas ora intrincadas, ora mais simples, mas sempre surpreendentes. Eu, que até o final da década de 2000 só me vestia de preto/marinho/cru, hoje cedo à feérie das cores, e pretendo mostrar essa minha nova fase em minha próxima casa, onde estampas e padronagens diferentes conviverão com arte contemporânea, design, flores e nosso gato Eugênio.
Em dado momento, os europeus são mais ousados do que nós em fazer essa mistura, e assumir essas influências. Eu, que só acredito que “less is more” se nesse “less” se incorpore uma grande tela de Miró, uma escultura de Giacometti e um móvel de Vico Magistretti, sou a cada dia mais um entusiasta deste melting pot, acredito neste conceito dos elementos de diferentes culturas e épocas “derreterem juntos” em um todo harmonioso, sob um conjunto cultural comum.
Um endereço discreto para quem quer conhecer o melhor da arte africana, em São Paulo, é a Patrimônio Antiguidades, de meu amigo Christian Heymes. Christian tem um olhar apurado, seu acervo é composto de peças nada óbvias (como as figuras Ewe, da Costa do Marfim/Togo acima), em um cenário de alta qualidade expositiva. E é um prazer conversar com este profundo conhecedor das culturas africanas, seu repertório é vasto, ele esbanja conhecimento sobre o assunto. E foi através dele que conheci um item desta cultura que eu não conhecia, até então:
As bandeiras Asafo (foto acima), uma das raras demonstrações de arte figurativa bidimensional na África. Os Asafos são organizações sociais e políticas Fante, e suas corporações se utilizam destas bandeiras para expressar seu poder diante de seus adversários.
O interesse dos Fantes pelas hierarquias e bandeiras europeias forjou essa arte, numa clara demonstração de que a cultura gera cultura. E essas bandeiras contam histórias, falam de sua valentia, manifestam seus hábitos, em composições de extrema qualidade – e eu sou louco para ter uma bandeira destas em meu acervo. Ela ficaria linda em minha futura sala de jantar, sobre uma fotografia do pernambucano Rodrigo Braga, em frente à luminária Noguchi imensa que tenho há anos, manifestando meu dogma estético maior – no décor, a mistura – quando de itens originais, de qualidade, é um grande barato…
Endereços: Christian Heymes / Casa das Kapulanas
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