BIBLIOTECA – O fim de uma era?

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Fiz “uma limpa” na biblioteca da casa dos meus pais, no Rio. Eles acumularam centenas de livros de uma vida, sempre em um “escritório” onde também se assiste TV – porque desde os anos 1960/70 assim chamamos esse cômodo que representa um misto dos atuais home office com home theater no apartamento, um dos oito em que moraram ao longo de oito décadas, em algumas cidades de três estados do Brasil: RJ, SP e MG.

Foram analisados, um a um, os de ficção ou não, de capa dura ou não, alguns com autógrafos dos autores, inúmeros com dedicatórias (livros já foram um presente mais comum, e normalmente vinham acompanhados de mensagens bonitas escritas por quem dava para aquela/e que recebia), além de enciclopédias, dicionários de várias línguas e até de sinônimos e antônimos, guias turísticos e culturais de países, regiões e cidades, de viagens em geral realizadas, e muitas revistas de diversos temas (colecionadas e cuidadosamente guardadas, edições até encadernadas em conjunto, desde que se casaram, em 1953).

Este acervo, com joias às vezes raras, funcionou por anos para eles, ávidos leitores, tanto quanto o próprio ‘Thesouro da Juventude’ da infância de meu pai nos anos 1930 – era e é ainda a envelhecida porém preservada e intacta “Encyclopedia para meninos, adolescentes e homens do povo”, que eles sempre mantiveram em sua própria e pequena estante específica. Ao fim e no fundo, esta coleção demonstra o cuidado com a preservação dos impressos e ainda dava o empurrão para a vida adulta do casal.

Na nossa memória atual com falhas, mas reavivada em incontáveis conversas nas últimas semanas, constata-se que o conjunto todo representou muito na convivência diária da família.

Dos então indispensáveis dicionários impressos ‘Aurélio’ e Petit Larousse, usados obrigatoriamente para que fossem tiradas quaisquer dúvidas assim que surgissem (eram o nosso Google), aos livros de leitura mesmo, ou ao menos ao folhear junto os chamados coffee table books, aqueles de capas rígidas e pomposas, com lombadas vistosas, considerados “livros de arte”, os que enfeitam literalmente as mesas de centro, e também servem de base em muitas casas para pequenos objetos decorativos ou até para regular a altura dos pares de abajures nas mesas laterais.

A biblioteca tinha mesmo de um tudo: dos best sellers de Aldous Huxley, Arthur Hailey, F. Scott Fitzgerald, Fredrick Forsythe, Hermann Hesse, Irving Wallace, John le Carré, J.M. Simmel (autor do curioso título ‘Nem só de caviar vive o homem’) … e essa parte da lista ficaria muito longa se continuada.

Sim, estavam em ordem alfabética, critério de organização tradicional e facilitadora (e não estética), por conta de uma arrumação recente feita por uma prima sempre colaborativa.

História também era uma tônica: do Brasil e do mundo, com muitas referências às nossas revoluções, desde 1930, até as grandes guerras mundiais. Personalidades várias da política surgiam em biografias como a de Winston Churchill, e tomos autorais como os de Carlos Lacerda, com certeza uma preferência.

Os livros sobre transportes como carros, ônibus, bondes, trens, navios e etc. eram uma das paixões de meu pai, engenheiro civil de estradas. Os do significado da arte exigidos pelos inúmeros cursos de minha mãe estavam junto aos do teatro que ela acabou exercendo como atriz, aos de psicanálise, conhecimento do corpo, saúde e dietas, assuntos de época então femininos.

Mas lá estavam também, e continuarão para sempre, os livros escritos pela família: dos assinados pelos parentes mais próximos Assis Brasil aos Zobaran… Bem como os que falam das tradições gaúchas (pelo lado de origem de minha mãe) desde Érico Veríssimo, ao lado do coté mineiro da família Junqueira paterna. Por fim, muitos romances e crônicas cariocas de escritores do Rio como Sérgio Porto – o Stanislaw Ponte Preta -, ou que aqui viviam, como Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Henrique Pongetti…

A divisão dos livros entre os membros do clã sem pretensões acabou preservando uma montanha deles, conforme a preferência e sem discussão, pois os gostos são diferentes e bem definidos. Quanto às doações*, saíram daqui em caprichadas e resistentes ecobags – e todas repletas.

O resultado foi enriquecedor, serviu de mote para um pouco mais de união e nos trouxe a boa sensação de praticar um ato generoso, portanto prazeroso. Afinal, não nos sentimos jogando qualquer coisa fora, mas passando adiante um pouco do que um dia tanto nos serviu, e que agora dará espaço para novas aquisições – porque nem só de internet vive o homem.

*Para doar: quem quiser fazer o mesmo que nós, pode procurar nossa amiga @mariapiabuchheim. No Rio, ela irá destinar seus livros a quem precisa.

Sergio Zobaran

 

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