Lina Bo Bardi foi chamada, por um jornalista (ferino, claro), de A Bauhaus da Inquisição, após ter feito as instalações do Sesc Pompéia em São Paulo, cujo teatro ostenta cadeiras muito parecidas com as acima, que eu e Lenora Lohrisch utilizamos em nossa Recepção do Hotel Boutique / Casa Cor Rio 2023.
É que quando eu vi essas banquetas no perfil da Emporio Brasil Design, um antiquário quase no final da Barra da Tijuca, eu enlouqueci e disse – confortável ou não, vamos usá-las. Lina era uma mestra, merece ser continuamente reverenciada, e esses banquinhos (que pressuponho tenham sido a origem das cadeiras do Sesc) tinham atributos modernistas que superam sua função – e olha que eu sou um adepto convicto do conforto, embora tenha uma poltrona Red and Blue do Rietveld em minha casa, que pode ser considerada tudo, menos confortável…
É que o Brasil tem uma tradição em marcenaria de excelência, que num dado momento se perdeu e que agora parece retomar seu curso, seja através da reedição de mobiliário de grandes nomes como Joaquim Tenreiro ou Jorge Zalszupin, ou por via dos novos criadores e designers que se utilizam das mais variadas plataformas para mostrar e comercializar seu trabalho.
Um cara que não se furta em encarar desafios novos é meu amigo Bruno Faucz, que desenhou essas tábuas de madeira para a marca Tramontina, transformando um objeto do cotidiano em algo absolutamente escultórico, maravilhoso. Eu preciso encontrar essas tábuas e tê-las em meu acervo, eu que tenho o hábito de usar pedras e placas de madeira como bases para todo tipo de comida. Feitas dentro das atualmente rígidas medidas de extração controlada, essas peças transcendem ao uso, em virtude do desenho original e da manufatura esmerada.
Ainda dentro do universo de utilitários, eu achei a bacia em madeira torneada em roxinho um acinte de beleza. Simples, elegante, quase monástica em sua simplicidade, utilizou aquela madeira que eu já disse ser ligeiramente esnobada pelo mercado para se tornar um objeto de luxo. Esta encontrei no acervo de Ricardo Graham Ferreira, mais conhecido como o Ebanista, que tem um trabalho artesanal da maior qualidade, com peças de tiragem pequena e resultado sempre muito, muito interessante.
E a nova marcenaria se permite a momentos poéticos como a gaveta acima, de autoria do Studio Reyes Design (Manu Reyes). Eu acredito que talvez as mulheres “enxerguem” a madeira de forma um pouco mais poética do que os homens – e a coleção feita por Juliana Pippi recentemente lançada, uma linha inteira de quarto baseada numa estrutura de ripas de madeira ovaladas, não recebeu o nome de Poesia à toa.
A cama desta linha foi recentemente utilizada na Suíte de Angela Leite Barbosa e Daniel Marques Mendes na Casa Cor Rio 2023. Mas Manu Reyes é uma jovem “marceneira” que abrirá em breve um espaço em São Paulo, na Barra Funda, para mostrar seu trabalho autoral de excelente qualidade.
Aqui, tanto o espelho quanto o banco são de autoria de Manu. Do banco eu destaco o desenho absolutamente original dos pés, com encaixes maravilhosamente equilibrados, volumes aparentemente desconexos em prol de um desenho lúdico e muito particular.
Como o é o espelho, com uma moldura de palhinha e madeira, uma conjunção de valores típicos do mobiliário brasileiro, aqui ressignificados através da forma. Esse caráter alegórico, ornamentalista, me atrai sobremaneira, pois num dado momento quase tudo se parece, e quando alguém ousa propor um pé de banco ou uma moldura de espelho como estes, eu me entusiasmo até a medula.
Aqui, em destaque, o trabalho de precisão desta jovem designer/marceneira, que explora os encaixes de forma precisa e lindamente ornamentalista. É uma pura manifestação do Zeitgeist, a palavra alemã que significa “o espírito do tempo”. Realçar a beleza da matéria prima e da manufatura é um trabalho que requer pensamento, conceito, execução primorosa, e tempo, muito tempo. E Manu faz uso destes atributos de forma exemplar, em produtos extremamente originais, elegantes e com aquele caráter de unicidade que já assumi aqui me ser extremamente caro.
A “nova marcenaria” parece não ter pudores em se revelar nas mais diversas formas e propostas, seja delicada como as peças acima, ou ligeiramente mais brutalista e construtivista como a mesa acima, do Estudio Felipe Madeira. Aqui, o designer afirma ter incorporado imagens do cotidiano holandês neste produto, após passar uma temporada na Holanda.
Confesso desconhecer a origem da inspiração, pois esta estrutura me remete um pouco às rampas que Lina Bo Bardi criou para o Sesc Pompéia, mas qualquer que tenha sido a fonte, o resultado continua original, único.
E termino esse post com a poesia explicitada das mesas de cabeceira de Manu Reyes. O mantra inspira/expira deveria ser praticado todas as manhãs, por todos, para bem da humanidade. Acordamos já plugados em nossos celulares, recebendo e respondendo chamadas, verdadeiros autômatos em busca de uma resposta cuja pergunta parece não termos feito.
E quase sempre nos esquecemos da necessidade de inspirar/expirar de forma consciente, calma, como forma de colocar nossas ideias em ordem e depois em prática, estamos sempre como o coelho de Alice in Wonderland correndo atrás do tempo, e esse par de mesas parece incentivar exatamente o contrário, parece mostrar o preço – e o peso – do tempo.
Ainda voltaremos ao tema novos marceneiros/marceneiras em breve. Tem muita gente criando coisas boas e originais, de forma ética e contemporânea, e merecendo destaque. Aguardem…
Designers: Bruno Faucz | Ricardo Graham Ferreira – Ebanista |Manu Reys – Studio Reyes Design | Estudio Felipe Madeira
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