Quatro mulheres surreais

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Quatro mulheres surreais

Vamos falar de mulheres surrealistas. No sentido estrito da palavra – artistas mulheres que se fizeram reconhecer através de sua participação no surrealismo. E começo com uma artista pela qual tenho um certo fascínio – Meret Oppenheim (1913 / 1985).

“...Ninguém lhe dará liberdade. Você tem que tomá-la.” Frase de Meret proferida em 1975, uma artista que praticava um conceito de arte notavelmente aberto, e uma originalidade – e sagacidade – violentas.

Objeto (ou Almoço em Pele ), de Meret Oppenheim. Em 1936, Oppenheim embrulhou uma xícara de chá, pires e colher em pele.
‘Luncheon In Fur’, Meret Oppenheim 1936.

Sua obra mais conhecida, que abre este post (e uma obra icônica do movimento surrealista, pois foi adotada pelos integrantes deste movimento como a expressão por excelência deste) – a xícara de chá e colher revestidas de pele de gazela, denominada Le dejeneur en fourrure, faz parte do acervo do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), data de 1936.

Esta artista suíça, através de Jean Arp, ingressou na exposição surrealista do Salon des Superindépendants, onde conheceu André Breton, Max Ernst e Man Ray, de quem se tornaria modelo de várias de suas fotografias de nus mais conhecidas.

Quatro mulheres surreais. Meret Oppenheim, obra" My Nurse". Trabalho surrealista; dois sapatos amarrados de cabeça para baixo, dando a ideia de um frango assado, com as pontas do salto enfeitadas
Meret Oppenheim – “My Nurse” – 1936/1937

Foi a responsável pelo desenho do figurino da peça de Pablo Picasso, “O desejo pego pela cauda”, em 1954, e sua obra realmente tomou vulto depois de sua morte por ataque cardíaco, com várias exposições e retrospectivas de seu trabalho – sendo que seu tributo póstumo maior é o Prêmio Meret Oppenheim, concedido anualmente pelo Escritório Suíço de Cultura, para artistas com mais de quarenta anos.

Obra surreal; uma caneca com um rabo de esquilo
Meret Oppenheim, “Squirrel”, 1960/1969

Com a aparência de uma estrela de cinema de Hollywood e o cérebro de um cientista louco, Oppenheim conseguiu persuadir os surrealistas a permitir que ela se juntasse ao círculo (o que até então era estritamente proibido para meninas). Suas esculturas fetichistas, feitas de xícaras de chá, peles, saltos altos e outros objetos domésticos femininos, abordam os temas de comida, sexo, morte, canibalismo e escravidão, sempre com um toque exótico, quase subversivo.

 

Obra de Maria Martins;“O impossível”, iniciou-se em 1944 – e, desta série, destaca-se Amor Proibido, uma figura masculina e outra feminina que lançam tentáculos de suas cabeças em busca de uma estranha e incômoda conexão.
Maria Martins, “O Impossível”, 1945 – Coleção museu de Arte Moderna Rio de Janeiro

Continuo com outra artista fascinante, cuja obra tive a oportunidade de rever recentemente no MASP – Museu de Arte de São Paulo. Estou falando de Maria Martins (1894 / 1973). Ela foi apelidada de “surrealista dos trópicos” e de “Frida Kahlo brasileira”, sendo que eu, particularmente, considero a obra de Maria muito mais interessante do que a de Frida.

Mineira, inicialmente Maria Martins começou esculpindo lendas amazônicas, e criou seres inspirados nos cipós tão comuns nas florestas tropicais, até evoluir para uma particular mitologia, híbrida, com elementos da natureza mesclados a corpos humanos, quando explicitava a sexualidade feminina através de seios aparentes ou serpentes atando estes corpos. Ao se desprender destas características formais, Maria parece ter mergulhado em si mesma, incorporando ao seu trabalho um caráter fascinante, sensual e perturbador. O crítico Mario Pedrosa teria descrito a obra desta artista como “...com visões perversas sobre o corpo...”, e esse talvez seja o grande trunfo de Maria Martins.

Entre 1939 e 1948 Maria viveu em Washington, onde decidiu se dedicar totalmente à escultura. Das 7 da manhã às seis da tarde, se instalava em seu ateliê no sótão da embaixada brasileira, sendo que em 1941 apresentou sua primeira exposição individual, intitulada “Maria”, na Corcoran Gallery of Art, em Washington. Na mostra, apresenta esculturas figurativas realistas com temas retirados da cultura brasileira ou temas religiosos usando diversos materiais, como gesso, madeira, terracota e bronze.

Foto de Maria Martins; artista surrealista
Maria Martins, foto da Coleção da Embaixada Brasileira em Washington DC, 1949

Em 1942, Maria alugou um estúdio na Park Avenue em Nova Iorque. Expôs na Valentine Gallery na qual apresentou formas oníricas de inspiração surrealista em bronze. Sua obra “São Francisco” foi adquirida pelo Museum of Art e “Yara” foi adquirida pelo Philadelphia Museum of Art.

Sua série mais conhecida, “O impossível”, iniciou-se em 1944 – e, desta série, destaca-se Amor Proibido, uma figura masculina e outra feminina que lançam tentáculos de suas cabeças em busca de uma estranha e incômoda conexão.

Alguns anos antes, a artista havia conhecido André Breton e Rufino Tamayo, e se tornou parte do círculo de artistas refugiados em Nova Iorque, durante os anos de guerra, que se encontravam no apartamento de Peggy Guggenheim, entre eles estavam Marcel Duchamp, Marc Chagall e Piet Mondrian. Cenário, no mínimo, fascinante…

Mulheres surrealistas: Maria Martins, “ A soma dos nosso dias”, 1945 / Desta série, duas obras de Maria foram incluídas na Exposition Internationale du Surréalisme, no ano de 1947 em Paris.
Maria Martins, “ A soma dos nosso dias”, 1945 / Desta série, duas obras de Maria foram incluídas na Exposition Internationale du Surréalisme, no ano de 1947 em Paris.

Seu trabalho potente, o gigantismo de suas obras, o caráter onírico e perturbador de suas figuras a coloca, em meu ponto de vista, no panteão das artistas escultoras internacionais, e espero que seu legado seja continuamente venerado pelos colecionadores, museus e apreciadores da boa Arte.

 

Mulheres surrealistas: Remedios Varo, “Ciencia Inutil, o El Alquimista” , 1955
Remedios Varo, “Ciencia Inutil, o El Alquimista” , 1955

A espanhola Remedios Varo, nascida em 1908, fez sua carreira no México, o que a faz ser referenciada ora como espanhola, ora como uma artista mexicana. Seu interesse por filosofia e misticismo se reflete diretamente em seus quadros, preenchidos por seres místicos operando máquinas fantásticas María de los Remedios Alicia Rodriga Varo y Uranga (1908 / 1963) tinha esse nome longo pois sua mãe era católica praticante, e dedicou o nome da filha à Santa de Anglès, Virgem dos Remédios. Seu pai era um intelectual amante das artes, o que teria grande influência em seu desenvolvimento como artista. Foi encorajada, desde pequeno a ter um pensamento independente, pois teve acesso muito precoce a livros de ciência e aventura, através dos autores Alexandre Dumas, Jules Verne, Edgar Allan Poe – sendo que, na adolescência, teve contato com livros de filosofia e misticismo.

Obra surrealista da artista: Remedios Varo, “La Mujer salindo del psicoanalista (Podria ser Juliana”, 1960 / “Nacer de nuevo”, 1960
Remedios Varo, “La Mujer salindo del psicoanalista (Podria ser Juliana”, 1960 / “Nacer de nuevo”, 1960

Em virtude do trabalho de seu pai, a família de Remedios viajava muito, e, para manter a filha ocupada, ele pedia a esta que reproduzisse plantas e gráficos. Seu pai era um liberal nato, discordava da rígida educação religiosa que sua filha recebia nos colégios católicos e acreditava que ela deveria receber uma instrução igualmente liberal, universal – o que deve ter horrorizado a sociedade naquele tempo.

Aos 15 anos Remedios ingressou na Real Academia de Belas-Artes de São Fernando, em Madri, onde havia também estudado Salvador Dali e outros artistas renomados. E foi nesta cidade que ela teve contato com o Surrealismo, sendo uma confessa interessada nas pinturas de Hieronymos Bosch que ela via em suas regulares visitas ao Museu do Prado.

Em virtude da Guerra Civil Espanhola e das crescentes tensões políticas causadas por esta, mudou-se para Paris – onde dividiu um estúdio com outros dois artistas, e onde ela conheceu André Breton e o circulo surrealista da cidade, que contava com artistas como Leonora Carrington, Roberto Matta, Max Ernst e a musa Dora Maar.

Em comparação com sua produção no México, para quando se mudou em 1941 para fugir da Segunda Guerra Mundial, Remedios produziu pouco quando estava em Paris, pois além da agitação política, havia também o fato de que àquela época as mulheres ainda não eram muito levadas a sério nos meios artísticos.

Mulheres surrealistas: Remedios Varo, “Creación de las aves”, 1957
Remedios Varo, “Creación de las aves”, 1957

Varo e sua obra rapidamente se tornaram lendários no México. Após sua morte, de ataque cardíaco, os críticos de arte a chamaram de “…uma das pintoras mais individuais e extraordinárias da arte mexicana.” Retrospectivas individuais foram inauguradas em 1964, 1971 e 1983 no México, e um livro sobre seu trabalho – Obras de Remedios Varo – foi publicado após a primeira retrospectiva, e esgotou em todas suas três impressões subsequentes, para se tornar um item de colecionador altamente
valorizado. E, nas décadas que se seguiram, ficou claro que o trabalho de Remedios Varo teria uma influência duradoura nas gerações subsequentes de artistas.

 

A inglesa Leonora Carrington, nascida na década de 1930, é uma das mais notáveis artistas britânicas.
Leonora Carrington, “Selfportrait”

A inglesa Leonora Carrington, nascida na década de 1930, é uma das mais notáveis artistas britânicas. Compartilhando o interesse comum dos surrealistas na mente, no inconsciente e nas imagens dos sonhos, sua obra volta-se ao mundo animal, ao ocultismo, alquimia medieval e psicologia junguiana.

Embora tenha nascido na Inglaterra, passou a maior parte de sua vida no México, onde morreu em 2011. Apreciada por muitos, foi considerada uma das últimas artistas originais do surrealismo. Antes de se estabelecer no México, passou três anos em Paris, onde conviveu com artistas do quilate de Salvador Dali, Joan Miró, Pablo Picasso, Max Ernst.

Sobre essa época, em uma entrevista publicada no Jornal El Pais, teria dito que “…era um grupo essencialmente de homens, que tratavam as mulheres como musas. Isso era bastante humilhante. Por isso, não quero que me chamem de musa de nada nem de ninguém…Eu caí no surrealismo porque sim. Nunca perguntei se podia entrar.” Considero isso um estatuto de respeito…

Em virtude da Segunda Guerra, Leonora se viu obrigada a fugir – primeiro para a Espanha, depois para Lisboa, onde conheceu Renato Leduc, um escritor mexicano, e com quem se mudou para o México em 1941. Neste país, retomou o contato com Remedios Varo, que havia conhecido em sua temporada em Paris.

E a partir desta retomada, nutririam uma estreita amizade e grande parceria por duas décadas, até a morte de Varo em 1963. Em 1964, ela termina uma de suas obras mais conhecidas, o mural El mundo mágico de los Maias, que encontra-se até hoje no Museu Nacional de Antropologia e História do México. Para criar este mural, Leonora passou meses no sul de Iucatán, estudando as variadas religiões e tradições da cultura maia. Essa obra, com mais de 4,00 metros de comprimento, exibe um cenário de uma comunidade maia e seus diversos aspectos culturais do mundo pré-colombiano, como a religião, a astronomia, a medicina e a relação entre as pessoas e as forças da natureza.

Leonora Carrington, “Retrato de Max Ernst”

Sua arte chegou à Rainha Elizabeth da Inglaterra, que a condecorou com a Ordem do Império Britânico em 2005. Teve uma vida agitada, com muitas aventuras, o que valeu a sua amiga por mais de cinco décadas, Elena Poniatowska, o prêmio Biblioteca Breve 2011, com o livro sobre a sua vida, “Leonora”.

Poderia falar também sobre Frida Kahlo – mas esta já virou personagem de cinema, de peça de teatro, sua obra já esteve em algumas coleções de moda, já virou personagem infantil – e não sei se já foi tema de alguma escola de samba, mas não duvido. Portanto, já é conhecida do grande público brasileiro, ao contrário destas quatro citadas neste texto. Que merecem figurar no panteão dos grandes artistas mundiais em virtude de sua potência criativa e qualidade artística.

Wair de Paula Jr.

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