PRAÇA XV – o coração do Rio colonial (segunda parte)

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A Praça XV e seus arredores sempre foram e ainda são o coração da história carioca. Tantos acontecimentos sócio-políticos e transformações estéticas e urbanas aquela região vivenciou, que hoje é testemunha ocular e secular de todos esses fatos. Por isso, mais uma vez, “o coração do Rio colonial” será o tema da Revista Conexão Décor nesta edição.

Depois de já termos explorado aqui a história do Convento do Carmo e a Praça XV (edição do dia 23 de agosto de 2022 – confira lá!), e sobre o primeiro episódio da Praça XV – Coração do Rio Colonial (edição anterior a esta), o segundo episódio destacará a relação da praça com as águas durante a origem da formação da cidade.

2º episódio: ÁGUAS

Parece óbvio pensar na questão do mar da Baía de Guanabara como a principal relação com as águas, ali na Praça XV. Realmente é um elemento primordial, mas não o único.

Panorama aéreo perspectivado da Baía de Guanabara. | Gravura de 1873, por Emil Bauch.
Panorama aéreo perspectivado da Baía de Guanabara. | Gravura de 1873, por Emil Bauch.

Quando os portugueses ocuparam o Morro do Castelo a partir de 1567, as águas da Baia de Guanabara foram um fator determinante para a escolha da nova cidade, pois aquele morro tinha um formato peculiar que avançava ao mar, diferente de tantos outros morros cariocas. Isso daria aos novos moradores uma visibilidade de 180° do horizonte a frente, com o intuito de proteção e defesa, já que foi uma necessidade urgente após a vitória de uma sangrenta batalha contra os franceses.

Apesar de ser uma gravura de 1873, ainda se nota a saliência do formato do Morro do Castelo, à esquerda. | Pormenor da gravura de Emil Bauch
Apesar de ser uma gravura de 1873, ainda se nota a saliência do formato do Morro do Castelo, à esquerda. | Pormenor da gravura de Emil Bauch

Mas foi a partir de 1568, mesmo que paulatinamente, que o desejo por descer do alto para as partes baixas começara a ser realizado (várzea que hoje conhecemos como Praça XV e arredores). Para isso, foi preciso fazer uma grande transformação hídrica a partir de desmatamentos para a construção da nova cidade. A drenagem do terreno era uma primazia para a ocupação da planície. Afinal, era uma região pantanosa de lagoas, charcos e manguezais, devido ao solo ser nivelado com o mar, dificultando, assim, o escoamento das águas fluviais e pluviais acumuladas no terreno. Sem falar que o solo era rico em matérias orgânicas em decomposição, provocando um forte odor de putrefação na região.

Mesmo diante destas circunstâncias, a sociedade decidiu descer. O motivo: a dificuldade de se obter água potável no topo do Morro do Castelo, obrigando os moradores a abrirem poços com muita profundidade. Quando a sociedade passou a ocupar a planície, os poços não precisavam ser tão profundos, mas, obviamente, a água era de má qualidade.

Nesta gravura, Rugendas retrata uma cena cotidiana de escravizados num chafariz. Mulheres e homens carregam barris e latões de água na cabeça. Muitos deles vendiam. | Gravura “Carregadores de Água” (1835) - Rugendas
Nesta gravura, Rugendas retrata uma cena cotidiana de escravizados num chafariz. Mulheres e homens carregam barris e latões de água na cabeça. Muitos deles vendiam. | Gravura “Carregadores de Água” (1835) – Rugendas

O jeito foi obter do rio mais próximo, o Rio Carioca (hoje percorre por debaixo da cidade e continua tendo sua foz na praia do Flamengo – poluído, poluído, poluído!), que fica entre 4 a 5km de distância. Essa dificuldade diária provocou o surgimento de comércio “clandestino” de água potável, à medida que a população crescia, mas os preços eram exorbitantes.

Parte do aqueduto que conduzia as águas do rio Carioca até chegar no núcleo urbano, por dentro da floresta da tijuca (Paineiras). |Foto: Marc Ferrez (1886)
Parte do aqueduto que conduzia as águas do rio Carioca até chegar no núcleo urbano, por dentro da floresta da tijuca (Paineiras). |Foto: Marc Ferrez (1886)

Ficava clara, então, a urgência de captar e conduzir as águas por meio de construções de aquedutos até futuros chafarizes públicos da cidade. Foi quando em 1617 que os vinhos estrangeiros importados foram taxados para aquisição de recursos e as obras começarem.

O primeiro chafariz da cidade ficava no atual Largo da Carioca, que alimentava a população com as águas límpidas do Rio Carioca. Era um local de encontros e socialização, especialmente da população negra. | Aquarela do “Chafariz da Carioca” (1833), por Armand Julien Pallière
O primeiro chafariz da cidade ficava no atual Largo da Carioca, que alimentava a população com as águas límpidas do Rio Carioca. Era um local de encontros e socialização, especialmente da população negra. | Aquarela do “Chafariz da Carioca” (1833), por Armand Julien Pallière

Mas tudo era tão complicado e precário que somente em 1723 que o primeiro chafariz da cidade do Rio de Janeiro foi instalado, jorrando, finalmente, a cristalina água do rio Carioca canalizado há quilômetros de distância. Onde ficava? Onde hoje é o Largo da Carioca (faz sentido este nome). As sobras das águas, que esguichavam constantemente pelas dezesseis bicas de bronze, foram canalizadas e conduzidas de maneira subterrânea até um outro chafariz, no centro da Praça XV. O percurso daquele cano fez nascer uma nova rua: a Rua do Cano (atual Rua Sete de Setembro).

Chafariz da Pirâmide era o maior e o mais importante da cidade, abastecia, inclusive, as embarcações. | Pormenor de uma gravura maior de William Smyth, de 1832.
Chafariz da Pirâmide era o maior e o mais importante da cidade, abastecia, inclusive, as embarcações. | Pormenor de uma gravura maior de William Smyth, de 1832.
População usufruindo do Chafariz da Pirâmide, que jorrava as sobras das águas do Chafariz da Carioca. |Gravura de Alfred Martinet.
População usufruindo do Chafariz da Pirâmide, que jorrava as sobras das águas do Chafariz da Carioca. |Gravura de Alfred Martinet.

Aquele chafariz central da Praça XV era pequeno demais para o coração da cidade, por isso foi demolido para dar lugar ao majestoso, monumental e arquitetônico Chafariz da Pirâmide, dessa vez não no centro da praça, e sim junto ao mar para, além de suprir a grande população, também abastecer as embarcações. Chafariz, este, projetado pelo grande arquiteto e artista, Mestre Valentim, em 1789.

E assim, o último episódio sobre a Praça XV – o Coração do Rio Colonial fecha-se (mas não se encerra definitivamente), o qual foi possível perceber que a história da cidade está ligada às terras da praça e às águas do rio, que nos deu seu nome: Carioca.

Posts anteriores, mencionados no começo do texto:

Primeiro episódio da Praça XV – Coração do Rio Colonial. – clique aqui.

A história do Convento do Carmo e a Praça XV – clique aqui

Foto da capa:

Praça XV e o chafariz da pirâmide | Gravura de William Smyth, de 1832.

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Tag: Praça XV

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