Uma das cidades mineiras mais charmosas que deve fazer parte do seu roteiro cultural é Tiradentes. Suas arquiteturas coloniais, suas ruelas, sua pequenez como cidade e a Serra de São José que a abraça fazem seus visitantes sonharem em voltar depois que a conhecem.
Hoje, a Revista Conexão Décor vai apresentar Tiradentes através do olhar da História da Arte, fazendo uma leitura histórica, arquitetônica e urbanística para aqueles que, pelo olhar do turista, já conhecem, e provocar curiosidade aos que nunca foram. A intenção aqui é fazer o leitor viajar ao tempo, pois andar por aquelas ruelas é uma volta ao passado, provocado por uma nostalgia daquilo que nunca vivemos: o século XVIII.
A História:
A história de Tiradentes começa antes mesmo de sua fundação, quando os Bandeirantes Paulistas, desde a primeira metade do século XVII, formaram expedições aventureiras em direção ao interior do Brasil (Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás). Até que, em 1695, as primeiras jazidas de pedras preciosas foram encontradas, fazendo o movimento imigratório àquelas terras mineiras ser gigantesco. Estava dada a largada para a corrida do ouro!
A descoberta da jazida num rio próximo à Serra de São José fez brotar, em 1702, o Arraial Velho da Ponta do Morro (o primeiro nome de Tiradentes), onde a bucólica paisagem esconderia a batalha mais sangrenta do período colonial mineiro: a Guerra dos Emboabas (1708-1709) – de um lado, os paulistas que chegaram primeiro, e do outro, os outros. Por isso, o rio que passa em Tiradentes (aquele perto do trenzinho Maria Fumaça) chama-se “Rio das Mortes”.
Para não virar “terra de ninguém”, a Coroa Portuguesa concedeu título ao arraial elevando-o à condição de vila, em 1718 – Vila de São José Del Rei (o segundo nome de Tiradentes) – assim poderia ter mais regras, leis, controles e impostos.
Rica, vanguardista e rebelde, ali ocorreu um grande fluxo de pessoas, de artistas como Aleijadinho e de mentores da Inconfidência, como Padre Toledo, tendo Joaquim José da Silva Xavier (o Tiradentes), o mártir da liberdade.
A Cidade e Arquitetura:
Como qualquer vilarejo, o local era lamacento, com ruas de terra e casas frágeis de barro e madeira erguidas no entorno da também precária capela de Santo Antonio, que somente a partir de 1710 começaram a sua ampliação (hoje é a Matriz da cidade).
O segundo templo do lugarejo foi a modesta ermida dedicada à Nossa Senhora do Rosário dos Pretos frequentada pelos pobres, pardos e negros, porém, aquela que existe hoje é resultado de uma melhoria realizada em meados do século XVIII, no mesmo local da antiga capela.
Quando construíram a Câmara, na mesma rua em frente à Matriz de Santo Antônio, a ligação entre estas duas arquiteturas se definiu. A igreja dos brancos, no alto da colina, e a Câmara, representando respectivamente os poderes religioso e o político, formam o eixo da supremacia da elite.
Os locais estratégicos de escolhas para a construção dessas arquiteturas contribuíram para forma plástica da Vila de São José.
Querendo ou não, este diálogo entre elas demonstra à população quem manda no local. Ainda mais quando a cadeia da cidade foi erguida em frente à igreja dos pobres, na famosa Rua Direita.
Esta rua era a coluna vertebral da Vila, pois formava o eixo de ligação entre dois pontos importantes: a parte alta (Matriz e Câmara) e a parte baixa (Largo das Forras). Este simpático largo, onde hoje é o burburinho animado da cidade de Tiradentes, já foi um espaço de concentração de tropas de milícia, armazenamento de alimentos e circulação de escravos. Ou seja, a Rua Direita conectava as classes sociais.
Todos esses pontos aqui citados, que criam ligações, conexões e diálogos entre as arquiteturas, são espaços barrocos, pois uma das características deste movimento artístico é a dialética, ou seja, uma maneira inteligente de argumentar e persuadir o espectador. No caso, convencer a população dos significados de cada ponto da Vila.
Sendo assim, interessante pensar que a plástica do famoso Chafariz de São José de Botas, construído em 1749, se parece muito com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (de 1750). A “cara de um, focinho do outro”. Afinal, o chafariz era um local de aglomeração e de socialização de lavadeiras, escravos e carregadores. Provavelmente eram estes que frequentavam aquela igreja. Serão suas plásticas e aparências meras coincidências?
Mais um elemento barroco onde há vários espalhados pela cidade e que fazem conexões entre si são os Oratórios dos Passos da Paixão de Cristo. Construídos por volta de 1745, eles comandam o caminho das peregrinações, direcionam os fiéis fazendo-os parar e rezar em frente a eles durante as procissões. Os Passos fazem os fiéis se movimentarem pela cidade como se fosse um balé. É dinâmico e persuasivo, como o próprio Barroco era.
No final, não apenas todas essas arquiteturas dialogam entre si, mas a comunicação também é entre elas e as pessoas. É a dialética entre cidade e sociedade. É uma cidade que fala conosco e nós respondemos com nosso o balé. Tiradentes interage com a gente. Como se ela fosse um maestro e nós os músicos. Ela rege a orquestra, e nós tocamos. A cidade só tem vida porque há música. Tiradentes é uma cidade harmônica.
É uma cidade humana!
João Torres – professor de História da Arte e nas horas vagas (que não existem) sou arquiteto. Com muito orgulho em ter criado o projeto Arte IN FORMA junto com a dupla de colegas-amigas Katia Souza e Lourdes Luz. Somos um trio entusiastas em arte e cultura.
Lourdes Luz / Katia Souza / João Torres
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