FRANQUEZA GERA ESTRANHEZA

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Não tem jeito. Agora, quando a pessoa que presta um serviço essencial e inadiável começa a justificar seu atraso, você já sabe que aí vem desfiando um rosário de explicações imbatíveis – e francas ao extremo. Se for de manhã cedo, elas – pessoas e suas desculpas – começam com a necessidade dos exames recém-feitos, uma batelada, “e ainda tive que enfrentar uma fila enooorme”.

E mais, em jejum, o que traz a reboque: “tive antes que parar no caminho para tomar meu café da manhã”. E até o trânsito, sabidamente menor, mas infelizmente nem sempre acompanhado do transporte regular do antigo normal, também entra no rol de bons e plausíveis argumentos.

Em tempos de pandemia e sua consequência mais branda, a necessidade imperiosa de isolamento social, os encontros entre famílias e amigos despencaram ladeira abaixo. Mas, de forma inevitável, não puderam deixar de acontecer quando se trata da prestação de um serviço indispensável, até pela manutenção de nossos lares, da saúde, da nossa nova vida cotidiana.

Nesses casos, a franqueza explícita e total reacende em quaisquer assuntos – dos detalhes sórdidos da doença do parente até o preço do aluguel ou da compra ou venda do imóvel – e passou a ser corriqueira. Ou viramos americanos de vez, eles que falam abertamente de dinheiro, assim como ingleses debatem o clima diária e naturalmente, ou até pode parecer que, brasileiros que somos, perdemos tudo ao mesmo tempo: pudor e vergonha, cerimônia e respeito, educação e privacidade nossa (além de, na melhor das boas intenções, invadirmos sem querer a alheia). E tem mais!

Podemos supor que muita gente passou a enxergar aquilo e aqueles que não tinha tempo (será?) de ver ou trocar duas palavras, como por exemplo: “Bom dia!”. Confesso, no entanto, que por longos anos achei esquisito cumprimentar no elevador de um hotel alguém que não conhecia – sabendo que isso é costume universal. Não estranhava, no entanto, ser cumprimentado por alguém nas caminhadas à beira-mar nas areias do sul da Bahia, e até retribuía, explicando aos companheiros paulistanos de praia que aquele era um costume nativo local – que louco/s!

Hoje nos dirigimos com familiaridade a todos os que frequentamos mais e todos os dias: a turma da linha de frente, expressão da moda, dos supermercados, das farmácias, das bancas de jornal, do botequim em frente, e até àqueles que tiram nossa temperatura ao entrarmos em local fechado, e os que cuidam de nós fora de casa: dos policiais aos seguranças. Assim como já fazíamos com nossos consultores de venda (novo nome dos antigos vendedores) das melhores lojas, dos profissionais da beleza (do barbeiro, cabeleireiro etc.), das babás e cuidadoras de nossos amigos, pelo menos, e dos nossos porteiros – no mínimo os de nossos próprios prédios.

Estaríamos vivendo um surto positivo de educação e/ou mesmo de humanidade total repentina? Ou simplesmente estamos momentaneamente sendo normais e adaptados a uma realidade que, esperamos, qualquer dia vai acabar?

Talvez tenhamos finalmente sentido o choque de ordem com base na política estapafúrdia de um país com estoque baixo de vacinas, além da paulada mundial na cabeça que nos deixa tão tontos quanto ler um número dramático de quase meio milhão de mortes em nosso país recordista, com medalha de prata – seria um número emblemático que finalmente nos servisse de alerta final?

Franqueza nas relações e declarações, me parece, não chocam mais ninguém. Ouvimos e lemos e vemos tanta barbaridade todos os dias, que não vai ser agora que, idoso com passagem grátis no metrô no Brasil todo (em São Paulo os de 60 sempre estiveram liberados de pagar), vou mudar minha linha e forma de pensamento: a de que franqueza nem sempre deveria gerar estranheza – porque essa, sim, é o novo normal.

Bom dia a todos.

Sergio Zobaran

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Foto da capa: Trancoso Receptivo

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