Oásis e miragem

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Semana passada lamentei muito a falta de vacinas que deixou os cariocas sem a sonhada imunização contra a Covid 19. Pensando na minha coluna de hoje só me vinha isso à cabeça.

Oásis e miragem, foto do Castelo de Manguinhos - Fiocruz

É um tema recorrente e nada apropriado à Conexão Décor, que se dedica a oferecer ao seu leitor um oásis de beleza. Mas daí me lembrei da miragem em Manguinhos, que quem passa pela Avenida Brasil não pode deixar de notar (ou às vezes nem se dá conta): em meio ao caos, à desordem urbana e o trânsito pesado fica a Fundação Oswaldo Cruz – a Fiocruz – que dia sim, dia também, está no noticiário.

Imponente, destacado na paisagem, fica um castelo que parece de conto de fadas, meio escondido pela vegetação, o Pavilhão Mourisco, integrante e parte principal do conjunto de prédios que engloba um pombal, cavalariças, pavilhão da peste e aquário.

Por que falo nisso? Porque é lá que chega uma parte dos insumos necessários à fabricação das vacinas que irão ajudar a combater essa epidemia que assola o mundo. Isso só para falar de um assunto que está em pauta, mas é lá que cientistas trabalham desde a sua fundação, pesquisando sobre tantas outras doenças e criando vacinas que salvam vidas.

Oásis e miragem, foto do Castelo de Manguinhos - Fiocruz ladeada com palmeiras

Não vou fazer aqui um tratado sobre infectologia, mas a arquitetura do lugar é um ponto fora da curva, não apenas pela localização, mas também por ter nascido em plena era do ecletismo que tomou conta da cidade.

No começo do século XX as autoridades estavam preocupadas em tornar a cidade mais modernas, acabando com as ruas estreitas, o calçamento irregular, as casas pouco arejadas e o esgoto a céu aberto seguindo um modelo preconizado por Haussmann em Paris.

Além do senso estético, a preocupação com a higiene também norteou vários projetos com o objetivo de acabar com a proliferação de doenças. Ficou proibido cuspir no chão, expor carnes nas portas do comércio e a venda de alimentos por ambulantes.

Foto do Medico sanitarista, Oswaldo Cruz.
Medico sanitarista, Oswaldo Cruz.
Dr. Carlos Chagas recebe Einstein em Manguinhos, 08 de Maio de 1925
Dr. Carlos Chagas recebe Einstein em Manguinhos, 08 de Maio de 1925

O Instituto soroterápico Federal surgiu em 1900 funcionando em duas casinhas modestas e em 1902 o médico sanitarista Oswaldo Cruz, assumiu sua direção tendo como objetivo acabar com a febre amarela, a peste bubônica e a varíola.  Por ter estudado no Instituto Pasteur em Paris, tinha ideias concretas para a construção do que viria a ser o Castelo de Manguinhos e gostaria de, com a arquitetura do lugar, chamar a atenção do povo para o combate às epidemias.

Observatório de Montsouris em Paris.
Observatório de Montsouris em Paris.
A nova Sinagoga de Berlim, construída entre 1859 e 1866.
A nova Sinagoga de Berlim, construída entre 1859 e 1866.

Segundo pesquisas, acredita-se que houve três grandes influências na configuração do Pavilhão Mourisco: o Observatório de Montsouris em Paris, o Palácio dos Leões em Alhambra, na Espanha e a nova Sinagoga de Berlim, construída entre 1859 e 1866.

Desenho do Primeiro projeto de Luiz Moraes Jr. para a sede do Instituto Oswaldo Cruz, 1905 (Acervo DAD/Fiocruz)
Primeiro projeto de Luiz Moraes Jr. para a sede do Instituto Oswaldo Cruz, 1905 (Acervo DAD/Fiocruz)
Desenho do Projeto definitivo do Pavilhão Mourisco; autoria de Luiz Moraes Jr., 1908 (acervo DAD/Fiocruz)
Projeto definitivo do Pavilhão Mourisco; autoria de Luiz Moraes Jr., 1908 (acervo DAD/Fiocruz)

Para a empreitada foi chamado o arquiteto português Luiz de Moraes Jr, mas o próprio Oswaldo Cruz desenvolveu o desenho do projeto.

A edificação, em terreno que se destinava à queima de lixo, ficava no alto de uma colina cuja fachada naquele tempo era de frente para o mar. Começou a ser construída em 1905 e terminou em 1918 (um ano após a morte do sanitarista e microbiologista aos 44 anos) e é constituída de cinco andares, 1517m2 de área construída e duas torres que reforçam seu estilo neomourisco.

Castelo de Manguinhos - FIOCRUZ por dentro, piso em pastilhas, portas em madeiras com desenhos mouriscos

Corredor no Castelo de Manguinhos, desenhos e arquitetura mourisca

Arquitetura no interior do Castelo de Manguinhos, vitrais e clara influencia Mourisca.

 

Piso da fundação Oswaldo Cruz em mosaico

Se a fachada impressiona, o interior é de cair o queixo. A maioria dos materiais usados foi importado, os azulejos são portugueses, coloridos e vibrantes e o piso é de mosaicos que parecem tapeçarias orientais.

Em nada se parece com o que imaginamos de um lugar de pesquisas e gente sisuda. As salas são espaçosas e arejadas, as clarabóias deixam o lugar bem iluminado e os cantos das paredes foram projetados de forma arredondada para evitar o acúmulo de sujeira. Como curiosidade, entre tantas, foram introduzidos equipamentos sanitários modernos para a época e o elevador é o mais antigo em funcionamento na cidade.

Interiores da Fundação Oswaldo Cruz, arquitetura Mourisca

Castelo de Manguinhos, inspiração Mourisca

Em 1981 o Castelo de Manguinhos foi tombado pelo Iphan e vale uma visita para ver de perto que a cabeça fervilhante de um homem que cuidava de erradicar doenças também podia produzir beleza.

Suzete Aché

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