De que forma estaremos dispostos a viver?
Imaginar como será o novo normal na arquitetura é a pergunta do ano, um momento que todas as empresas do setor da construção civil, arquitetos e designers foram pegos de surpresa e obrigados a parar, cancelar lançamentos e adiar obras – ou nem todos.
Entender o momento é o primeiro passo, reconhecendo a pandemia com a seriedade que precisamos para atravessar o problema – sem teorias da conspiração, negacionismo, terraplanismo – com “pé no chão” e se informando corretamente, respeitando o isolamento social e pensando coletivamente.
Dito isso, é chegada a hora de planejar, sem deixar de respeitar as medidas de isolamento social, iniciar provocações mentais para imaginar o futuro e lançar pensamentos sobre a maneira que a arquitetura, a partir de agora, será impactada nos espaços construídos e nos projetos futuros. Para planejar o futuro, é preciso conhecer e reconhecer os avanços do passado.
O movimento modernista alemão da Bauhaus de 1919 surgiu de forma interdisciplinar não apenas no intuito de lançar um novo pensamento de uma arquitetura completamente nova que unisse processo produtivo industrializado e todas as formas de arte, mas surgiu também como uma resposta ao medo da tuberculose, que demandava da arquitetura soluções para o tratamento da doença, do desejo de erradicar salas escuras e cantos empoeirados onde as bactérias se escondiam.
Enquanto isso na França, Le Corbusier levantava suas casas do chão úmido para evitar contaminação. A casa cubo Villa Müller de Adolf Loos, em Praga, de 1930, incluía um espaço separado para colocar crianças doentes em quarentena. Projetos de sanatórios explodiam por toda a Europa com amplas janelas, paredes brancas, aquecimento no piso e iluminação indireta, varandas e terraços para os banhos de sol, tudo isso como solução aos sintomas que a doença apresentava.
Arquitetos colaboraram com médicos para construir os sanatórios e aceleraram o processo de modernização da novíssima arquitetura modernista e assim, a arquitetura aestética industrializada de Ludwig Mies van der Rohe ou Marcel Breuer pode ser entendida como uma estética inequivocamente hospitalar, com as paredes brancas vazias, o chão monolítico e as peças de metal em sua máxima assepsia.
Nos últimos meses, chegamos a uma nova conjuntura de doenças e arquitetura, onde o medo da contaminação controla novamente em que tipo de espaços queremos estar.
À medida que a tuberculose moldava o modernismo, a covid-19 e nossa experiência coletiva de permanecer dentro de casa por meses influenciará o futuro próximo da arquitetura. Durante a quarentena, somos convidados a ficar dentro de nossas próprias celas, enquanto o inimigo – o vírus – está na rua, nos espaços públicos e nos transportes de massa.
Sendo a nossa casa o local seguro, e dessa forma a nossa arquitetura reflexo direto de soluções modernistas, de repente viver em caixas brancas não parece mais o melhor modelo de se estar, o interior da casa em moldes hospitalares da Bauhaus parece não ser a solução para a doença que acomete a contemporaneidade.
Ao contrário do vazio arejado e intocado do modernismo, o espaço necessário para a quarentena é principalmente defensivo, com fitas delimitando espaços e paredes de acrílico segmentando o mundo exterior em zonas de segurança socialmente distanciada.
Na dúvida, evite espaços abertos. Lojas e escritórios terão que ser reformatados para reabrir. Nossas percepções espaciais mudaram completamente. E, dentro de casa, podemos nos encontrar desejando mais algumas paredes e cantos escuros para momentos de introspecção e indiretamente de proteção.
A quarentena torna todos os trabalhadores não essenciais, que se espera que estejam em casa nesse Brasil negacionista, mais familiarizados com os limites de suas casas. Sabemos tudo sobre cada canto, assim como também suas falhas: a falta de luz do dia em um quarto, o chão sujo em outro, a necessidade de um banheiro extra.
Espaço é tudo o que temos para pensar. Para arquitetos, é um exercício de busca da alma, especialmente se você mora em uma casa que equipou para si mesmo. Talvez pela primeira vez na era contemporânea, arquitetos estão tendo a oportunidade de vivenciar estar em casa e entender ainda mais como otimizar suas funcionalidades e projetar ainda melhor para os seus clientes.
Ao vivenciar a casa, somos confrontados com a falta de privacidade em apartamentos “open space”, a dificuldade de se estar em família quanto todos estão online em suas videoconferências via Zoom, a necessidade de proteções acústicas entre os apartamentos, a importância de uma varanda como zona de descompressão.
Confrontar os limites de sua própria casa fez com que o casal de arquitetos do escritório de arquitetura So-Il, localizado em Nova Iorque, já iniciasse a revisão de um projeto residencial do Brooklyn, já refletindo a ansiedade pandêmica: o hall de entrada bem ao estilo americano funciona como um roupeiro e já conectado a lavanderia; a cozinha, a sala de jantar e a sala de estar são todas separáveis em vez de fluir juntas; os quartos são espaçados, para melhor amortecimento acústico; espaço de trabalho com maior espaço para mesa; varandas que representem 30% da área do imóvel.
E por aqui, com toda a nossa complexidade social, como podemos imaginar uma versão tropicalista de uma nova arquitetura contemporânea pós-pandemia?
Seria o fim colonialista escravocrata da dependência completa de empregada (DCE)? Adotaríamos o modelo de hall de entrada com rouparia e lavanderia anexa dos países norte americanos e europeus? Faríamos fazer valer a Norma de Desempenho das Edificações que exige adequação para atender parâmetros de desempenho acústico? Voltaríamos com uma arquitetura de interiores com ambientes separados? Pensaremos mais em uma casa inteligente, ecológica e autossustentável para longos períodos de isolamento?
Cabe a nós agora o desafio de construir as respostas.
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Foto de capa:
Estudo de projeto em escala real desenvolvido pelo escritório norueguês Vardehaugen. (foto: divulgação)
tag: nova arquitetura