Por Paula Acosta, correspondente de Milão
A Semana de Design de Milão – o mais importante evento mundial do setor de arquitetura e decoração, que aconteceu em abril – pode gerar pautas por muitos meses: assunto é o que não falta! Este ano, a Conexão Décor contou com a ajuda de vários colaboradores para mostrar algumas das novidades do segmento apresentadas na ocasião, e o material ainda está à disposição nas redes sociais desta revista digital. Se você não viu, corra lá!
Para este artigo, porém, selecionamos uma série de momentos especiais (impossível mencionar todos!) da nossa cobertura, cada um por uma razão. Não se trata de uma lista cronológica ou em ordem de preferência. Escolhemos situações que envolveram uma emoção, um estímulo para a reflexão ou simplesmente se apresentaram de maneira inusitada durante a design week milanesa, que se mostra cada vez mais frenética (às vezes, até caótica), mas que ainda é o mais importante, vibrante e surpreendente evento mundial do design.
Vamos lá!
18/04 – Como não se encantar com a emoção genuína de Humberto Campana, depois da projeção do documentário “We The Others” (Nós Os Outros), de Maria Cristina Didero e Francesca Molteni, na Triennale de Milão?!
“Eu estou muito comovido. Durante o Salão, todos estão muito ocupados e é uma honra que vocês tenham dedicado tempo para assistir a esse filme que, para mim, é uma poesia”, disse o designer à plateia.
Ele confessou que se tornou mais recluso, depois da morte, em 2022, do irmão Fernando, com o qual formava a dupla que operou uma verdadeira revolução no mundo do design.
“Eu já conhecia o trabalho da Francesca; Maria Cristina também tinha me falado, mas quando ela chegou a São Paulo, fiquei assustado: como faço para abrir o meu universo interior? Este filme funcionou para mim como uma lição de psicanálise porque abriu uma ‘caixa de pandora’ e começaram a sair todas as emoções que ficaram escondidas no tempo”, contou.
Humberto concluiu o discurso com um agradecimento: “Obrigado, Milão! Porque Milão e a Itália fizeram com que eu e meu irmão nos tornássemos conhecidos no mundo. Este filme traz o Fernando de novo em vida e isso é um presente, uma alegria”.
Mereceu cada caloroso aplauso!
18/04 – Após a projeção do documentário sobre os irmãos Campana, a diretora Francesca Molteni, em exclusiva para a Conexão Décor, sintetizou qual o sentido que essa produção teve para ela.
“We The Others é uma belíssima história e significou tanto para mim! Representa o espírito de comunhão do design porque, como o trabalho que eu realizo, é algo que se faz com os outros, como diz também o título. Eu aprendi mais do que eu já sabia sobre o que os irmãos Campana trouxeram para o design italiano e internacional, graças à espontaneidade, à naturalidade deles. Creio que, através do filme, se sinta que existe uma grande abertura em relação ao mundo. O design, no fundo, é um instrumento para nos aproximarmos dos outros”.
15/04 – Impossível não recordar a simpatia e o depoimento afetuoso de Philippe Starck ao apresentar a instalação “What?”, que pôde ser vista até 16 de junho, na Triennale de Milão, e que funcionava como introdução à mostra “Io sono un drago. La vera storia di Alessandro Mendini” (Eu sou um dragão. A verdadeira história de Alessandro Mendini), em cartaz até 13 de outubro, no mesmo museu. A homenagem imersiva criada pelo designer e arquiteto francês propunha um passeio pela mente do pai da icônica poltrona Proust, que morreu em 2019, aos 87 anos.
Ao lado de Stefano Boeri, presidente da Triennale, e pensando que não estava falando aos jornalistas, Starck revelou que, naquele específico momento, ainda faltava ajustar pequenos detalhes para que a instalação ficasse perfeita e que se deveria esperar a imprensa chegar, enquanto tudo seria resolvido. Quando foi informado de que a imprensa já estava entre o público presente, foi ainda mais espontâneo: “E eu que estava para propor que vocês fizessem (n.d.r. enquanto se esperava) apenas umas fotos conosco, dois rapazes sensuais!”, brincou.
No final, deu tudo certo, foi possível visitar a instalação, mas o melhor foi quando Starck falou sobre a importância do homenageado para ele: “Mendini era um espírito puro! Mendini era uma identidade da qual nós não podemos nos esquecer. (…) Ė impossível fazer algo cartesiano sobre ele. Por isso, eu criei para vocês uma espécie de anjo, de fumaça, que está ao meu redor, que fala comigo, que eu não entendo, mas eu sei que é incrível, porque ele que era um gênio. Não é possível descrevê-lo. Eu acredito que Mendini nunca existiu, por isso ele nunca morrerá”.
Vale ressaltar: a mostra “Io sono un drago. “La vera storia di Alessandro Mendini”, produzida em colaboração com a Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, é um belo mergulho no trabalho de um dos grandes mestres do design. Se estiver em Milão ou passar pela cidade, não perca!
15/04 – Mais uma deliciosa cena inesperada: desta vez, no showroom da marca Cassina, ao nos depararmos com Pernette Perriand Barsac – filha da inesquecível designer e arquiteta francesa Charlotte Perriand (1903-1999) – toda sorridente, sendo fotografada na chaise longue Indochina, desenhada pela mãe em 1943.
Conta-se que Charlotte Perriand criou o móvel quando trabalhava no Vietnam. Vivendo os últimos meses de gravidez “confinada” na cama, ela projetou essa chaise longue com braços para poder continuar lendo, escrevendo e desenhando. O primeiro exemplar foi feito com rattan devido à impossibilidade de encontrar aço, uma consequência da Guerra do Pacífico. Em colaboração com Pernette, Cassina evoca o espírito da criação original e lança uma versão em aço tubular envernizado desse produto nunca antes editado. O colchão removível, que envolve a estrutura, possui um estofamento em fibra de PET reciclada e revestido com tecido acolchoado.
Mas a história não termina por aí, porque nas fotos com Pernette comparece um outro descendente de uma ilustre dinastia do design: Eames Demetrios, neto de Charles (1907-1978) e Ray Eames (1912-1988). Isso porque a coleção Cassina Lighting acaba de ser ampliada com duas luminárias, lançadas em colaboração com o estúdio Eames, que nunca tinham sido produzidas em larga escala.
Uma é a Galaxy, criada em 1949 pelo célebre casal de designers, com componentes oriundos do setor automotivo e tubos de latão de medidas variadas. O modelo atual, disponível com acabamento em preto opaco ou alumínio lúcido, conta com um novo sistema de montagem, que permitiu a otimização da expedição e a redução da embalagem: assim, os tubos dotados de fontes de luz a LED viajam separados da parte central, para um posterior inserimento na esfera, formando-se então a “galáxia” que intitula a peça.
A outra novidade se chama Helena e foi criada por Charles Eames em 1935 para iluminar a igreja de Saint Mary, que ele projetou na cidade que deu nome à luminária, no estado do Arkansas. Graças a essa realização, Charles foi convidado por Eliel Saarinen para estudar e depois ensinar na lendária Cranbrook Academy, no Michigan, onde conheceu a futura esposa e parceira profissional Ray Kaiser. O resto, como se diz, é história.
16/04 – Existem momentos que são como divisores de águas na vida de cada um. Uma ocasião dessas se apresentou na carreira do designer carioca Gustavo Martini, em 2016, quando ele participou do Salão Satélite, a mostra de jovens talentos que acontece paralelamente ao Salão do Móvel, no polo de exposições de Rho Fiera, em Milão. Graças àquela participação com o projeto Edge, ele foi eleito “Next Generation Designer of The Year 2017” (Designer da Nova Geração Ano 2017) pela Wallpaper e Officine Panerai.
Em 2024, o Salão Satélite – iniciativa fundada e organizada até hoje pela venezuelana Marva Griffin – completou 25 anos, devidamente celebrados com uma grande exposição na Triennale de Milão – olha ela aí mais uma vez! Foi bonito ver Gustavo, muito comovido, rebobinar sua história profissional!
“A Marva fez um trabalho excelente em todos esses anos. Ao entrar nessa mostra e ver produtos de mestres do design, que eu nem sabia que tinham participado do Salão Satélite, eu já comecei a me emocionar. Depois, percorrendo-a, cheguei ao ano 2016 e vi a miniatura e a foto da minha peça. Pensar que um modelo meu faz parte de uma exposição já considerada histórica, ainda por cima na Triennale, que é uma referência como museu de design no mundo, e representando de certo modo o Brasil aqui na Itália, tudo isso me trouxe uma enorme emoção”, revelou Gustavo.
Na saída da mostra, havia mais uma foto dele, com um outro projeto, o Italic, de 2020. “Eu olhei para o passado, revi a minha trajetória e penso que todo esse processo é uma coisa linda! Existem as dificuldades, mas também os aprendizados. E foi essa vivência me trouxe ao que eu sou hoje. Eu sou muito grato pelo que a Itália fez por mim”, concluiu Gustavo. Além de ter fundado seu estúdio de design em Milão, ele hoje é professor do renomado “Istituto Marangoni”. (Fotos: Alessandro Bon)
15/04 – Para quem não viu, certamente um outro ponto marcante da nossa cobertura foi a presença da Conexão Décor na exclusiva apresentação prévia da instalação “Interiors by David Lynch. A Thinking Room” (Interiores, de David Lynch. Uma sala de pensamento), criada pelo cineasta americano para o Salão do Móvel, em Rho Fiera. Sobre esse assunto, fizemos um reel, com a entrevista ao curador Antonio Monda, que publicamos no nosso feed do Instagram.
Enfim, que a Semana de Design de Milão de 2025 seja ainda mais rica de momentos especiais!
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