Aqueles cachorros magrinhos, de madeira, confeccionados em várias posições, sempre me lembraram do “cão-personagem” Baleia, do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Se você conhece as esculturas e pensou o mesmo, ledo engano.
Arte de raiz criada pelo artista Marcos de Sertânia, ele inspirou-se nos cachorros dos retirantes nordestinos, que já tornaram-se um “must have”, estão entre as peças mais vendidas na galeria Pé-de-boi de Laranjeiras, que também disponibiliza seus produtos online (www.pedeboi.com.br)
“Numa família de retirantes sempre tem a avó, o pai, a mãe, as crianças, uma mulher grávida e bem atrás um cachorro. Aparentemente era o Baleia, mas na verdade se chama Caetana, personagem que o Suassuna criou e o Marcos gostou muito desse nome. Ele foi chamando várias pessoas da família para ajudarem a produzir os cachorros e hoje são mais de 12 pessoas trabalhando nas peças. São sempre de madeira, monocromáticas e já ganharam vida própria indo, inclusive, para várias partes do mundo. Acho uma peça emblemática, própria da arte popular brasileira”, diz Ana Chindler, jornalista de formação e proprietária há 36 anos da Galeria Pé-de-Boi, dedicada exclusivamente à arte popular.
Seu amor pela arte de raiz fez com que percorresse o Brasil inteiro à procura de artistas em cidades escondidas nos rincões do sertão.
“Tenho peças que já são feitas pela terceira geração de uma mesma família e contabilizo de mais de 670 artistas no acervo“.
Suas histórias são pitorescas e é uma delícia ouvi-la contar como as pessoas mais humildes foram transformando e criando um trabalho para encanto dos que valorizam nossa arte. Uma comunidade de paneleiras, por exemplo, um dia virou o pote ao contrário que acabou virando uma cabeça, derivando para outro caminho.
As bonecas do Vale do Jequitinhonha são famosas e um símbolo do trabalho feminino do lugar feitas inicialmente por Dona Isabel. São auto-retratos moldados na cerâmica e dezenas de artesãs têm seu sustento e o da família exclusivamente através dessas bonecas, que mudaram a economia do Vale.
“Acho que a arte popular saiu da varanda e teve um upgrade. Agora está dentro das residências”, acredita Ana.
Ela manteve uma loja no Centro e também em Ipanema mas desistiu porque muita gente passava e falava “ih, isso é loja pra gringo”. Agora está entusiasmada com a internet, tem site e Instagram e está vendendo bastante online, especialmente para São Paulo.
A cestaria Ana considera um curinga porque é bastante apreciada. Entre os artistas que fazem parte de seu elenco estão Socorro e Marliete filhas de Antonio Rodrigues ; Luiz Antonio de Alagoas; Sil, que faz esculturas tridimensionais que contam toda a vida dela (debaixo da jaqueira) pássaros do Bento e tantos outros como Manuel Eudócio, Mestre Cunha, Noca de Pernambuco, o santeiro Mestre Dézinho, Ulisses Pereira, além de GTO, Geraldo Telles de Oliveira, que tem peças até no Guggenheim de Nova York.
Antes da pandemia ela estava preparando uma grande exposição de bancos incríveis em forma de bichos de madeira, que teve que ser adiada. Mas ela não desiste apesar de dizer que mata um leão por dia para manter o acervo e tentar introduzir a arte popular brasileira na casa dos conterrâneos.
Ela vê com tristeza o preconceito que alguns decoradores e arquitetos têm desse tipo de arte. Para quem anda de caminhão, se hospeda em hotéis na beira de estradas ou na casa simples dos artesãos além de “comer” poeira pelo caminho, não existe maior satisfação do que conseguir divulgar artistas que na maioria dos casos é pobre e analfabeta e assim conseguem melhorar de vida.
” Hoje existem muitas feiras de arte e artesanato e procuro sempre os stands pequenos tentando descobrir coisas novas. Mas não deixo de viajar pelo menos três vezes por ano.”
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